O CIÚME
Por Carlos Sena
Por Carlos Sena
Vez por outra me pego pensando no ciúme. Ele não é um sentimento como tantos, mas traz consigo ingredientes de alta complexidade e, talvez por isto, a gente volte sempre a ele; discuta sempre acerca dele; sofra por ele ou de posse dele façamos alguém sofrer. O ciúme nos toma e quando menos esperamos estamos ali, diante dele, como se fosse um espelho posto em nossa frente. A complexidade do ciúme talvez nem resida em si mesmo na qualidade de sentimento. Existe uma tênue ponte entre a pessoa, o ser amado e os conceitos que firmamos em nossa defesa (não sou ciumento, sou cuidadoso!) ou contra quem nos proporciona esse sentimento, pois o ciúme não nasce por osmose e, por mais que alguém esteja “colocando chifre na cabeça de cavalo”, culpas existirão compartilhadas. O ciúme de coisas e objetos não tem a mesma importância daquele que sobrevive das relações afetivas entre seres humanos das diversos matizes sexuais.
O rigor do ciúme enquanto sentimento é que nós não queremos assumir que ele vem de nós. Contudo, ele vem de cada um que está na relação, talvez sob diversas formas de expressão. Há quem “morra” de ciúme, mas não “dá o braço a torcer”. Há quem dê o braço a torcer como forma de chantagem emocional, percebendo que o outro gosta de ser cuidado em nome dele – um pouco da equivocada colocação de que “quem ama cuida”... Talvez nós, humanos, não tenhamos sido preparados para as relações com base na liberdade. Há quem defenda a CONFIANÇA como o segundo elemento, mas isto é meio confuso pela intersubjetividade. Por isto, prefiro a liberdade, embora ela esteja distante da grande maioria das pessoas, especialmente latino-americanas, por conta do machismo exagerado que, de alguma forma, condicionou o domínio da mulher pelo homem. Há avanços neste sentido, mas que não podem garantir o contrário. Deste modo, o ciúme leva muitas pessoas a conflitos infindos de relações que até poderiam ser mais duradoiras, mas não se sustentam, pois o ciúme se agudiza e, não raro leva os interessados a situações imprevisíveis, inclusive violentas. O excesso de ciúme tem na posse do outro seu mais importante ingrediente. A grande contradição é que quando as pessoas estão em busca de alguém, verbalizam que gostam de relações com base na confiança. Concordam, quase sempre, que o ciúme é a véspera do fracasso, mas quando vivenciam relações concretas, consciente ou inconscientemente, começam esboçando cenas de ciúmes.
Prefiro entender que o ciúme é uma marca da nossa civilização calcada nos bens materiais. Em função disto, as relações são possessivas como se houvesse, nas relações de afeto, donos absolutos. “ninguém é de ninguém, na vida tudo passa. Ninguém é de ninguém, até quem nos abraça”(...). “O ciúme lançou sua flecha preta/ E acertou no meio exato da garganta/Quem nem alegre nem triste nem poeta/ Entre Petrolina e Juazeiro canta” (...). “Tenho ciúme do sol, do luar, do mar. Tenho ciúme de tudo, até da roupa que tu vestes!” (...). – Trechos do cancioneiro da nossa MPB que nos dão a conotação óbvia do ciúme enquanto produto cultural. Por outro lado, a doutrina espírita Cardecista vê o ciúme como prova de pouca evolução espiritual. Há textos acerca cheios de consistência teórica, mas que permanecem mesmo no âmbito dos que são adeptos daquela doutrina. Se formos rigorosos conosco, mais cedo ou mais tarde, entenderemos que o CIUME é, de fato, muito intimo da pouca evolução espiritual.
Preferimos o entendimento de que o ciúme, enquanto não vira doença, pode ser administrado. Contudo, quem estiver no contexto tem que se cuidar para não deixar que um sistema de “jogo” se estabeleça nas relações afetivas. Talvez o exercício do crescimento interior como forma, não como objeto, nos leve a avanços significativos no controle das emoções que o ciúme proporciona. Gosto muito de apostar que quanto mais uma pessoa for livre, mais poderá se ligar a outrem. Quanto mais for presa, menos isto ocorrerá (prenda que me solto; solte-me que me prendo). Grosso modo, ciúme é sentimento pequeno, mesquinho, que denota muito mais contra nossa civilização do que a favor dela. Amar o outro só assim se constitui se houver confiança e liberdade. Contudo, confiança e liberdade são sentimentos que as escolas e universidades não conseguem ensinar. Nem os pais. Nem os amantes. É crescimento pessoal mesmo. Pode durar pouco pra acontecer, mas no geral demora e nalgumas vezes nunca acontece – vira modo de vida, cria um personagem muito comum das cenas urbanas: o ciumento!