Veríssimo na livraria
Há algum tempo eu confessei aqui que leio livros na própria livraria – aproveitando os sofás que estão lá justamente para isso. Inteiros, do começo ao fim, lembro-me de “A Mulher do Centroavante”, do David Coimbra, e “Ungáua”, do Ruy Castro – ambos de crônicas. Sugiro ao leitor, que por acaso for tão cara-de-pau quanto eu, que prefira mesmo os livros de crônicas. Isso porque você provavelmente não terá tempo de ler em um fôlego só. Talvez fique dias sem encontrar tempo para ir à livraria. E se estiver lendo um romance, fatalmente perderá a meada da história. Terá que voltar páginas. Melhor então que sejam crônicas, para que você possa começar uma nova toda vez que for ler.
Mas o que eu queria dizer é que eu estava numa dessas livrarias justamente para ler, dessa vez “A Cabra Vadia”, do Nelson Rodrigues – que custa inacreditáveis R$ 73. Pois bem. E eu estava ainda dando uma olhada nas prateleiras quando ouço uma conversa – eu ouço todas as conversas de uma livraria. Era uma senhora, que devia ter perto de 50 anos, que procurava um livro e pedia ajuda a uma atendente, também mais velha. Queria alguma obra do Luís Fernando Veríssimo e não estava encontrando.
A atendente, mostrando que realmente entendia do assunto, disse que o problema era que a mulher procurava na letra L, quando na verdade devia procurar na letra V. E mais, disse a atendente: é preciso olhar gênero por gênero. Logo percebi que a atendente não fazia ideia do tipo de texto que o Veríssimo fazia. Pra ajudar a mulher, ela começou a olhar a prateleira de biografias. Eu não sei se existe uma biografia do Luis Fernando Veríssimo, e se existe tenho uma constatação a fazer: está incompleta. Afinal, ele continua dando as caras por aí, muito vivo – embora tímido. Também desconheço que ele tenha escrito a biografia de quem quer que seja. Logo, a atendente estava perdendo tempo.
Partiu então para a outra prateleira, que coincidiu de ser a de contos e crônicas. Lá havia, realmente, alguns livros do Veríssimo. Uma meia dúzia. Pois a mulher olhou bem para eles, e constatou: “Já tenho todos”. Estive a ponto de amar aquela mulher, mas não demoraria muito tempo o meu sentimento. Na sequência, a atendente partiu para a prateleira de romances. “Mas ele só tem um romance”, protestou a mulher, equivocadamente. E lá ela achou um livro que realmente não possuía ainda, e que não pude ver qual era. A atendente, mostrando que havia sido selecionada a dedo pela direção da livraria, reparou então que havia muitos romances de Veríssimo na prateleira – todos do Erico, que, como quase todo mundo sabe, não é o Luis Fernando.
A mulher então alertou a atendente de que o Erico era o pai do Luis Fernando, e que estava tudo entre família, mas que, definitivamente, eles não eram a mesma pessoa – é claro que falou isso com muito mais graça e menos grosseria do que eu repito aqui. E então a mulher acrescentou que o Erico “é meio chato” – foi nessa ocasião que deixei de amá-la. Em seguida ela partiu para o caixa, levando o seu livro do Veríssimo filho.
Bolas, eu acho sinceramente que uma atendente de livraria que não conhece o Luis Fernando Veríssimo – o escritor que mais vende livros no Brasil – e que não havia reparado ainda que existe um outro escritor com o mesmo sobrenome – por coincidência, o seu pai – poderia muito bem ser demitida por justa causa. A grande sorte dela é que nem eu e nem a mulher somos ruins o bastante para reclamar. Porque se eu fosse ruim, mas ruim mesmo, eu chegaria para ela e perguntaria:
- Onde ficam os livros do José Veríssimo?