Pai é pai

Pai é pai

Por: Neodo Ambrosio de Castro

Nesses últimos dois dias tivemos um surto familiar de saudades.

Tudo começou quando a Prima enviou para vários membros da família, uma história sobre um pai, e comentou sobre nossos pais.

Em seguida houve uma troca de mensagens sobre o assunto e unânimes, confessaram a saudade que sentiam daqueles que já nos deixaram.

A minha experiência com meu pai foi muito pessoal. Quero dizer: Tínhamos horas a sós, pois na condição de filho mais velho sempre o acompanhava em tudo que fazia na sua folga semanal.

Sem contar os dias que eu percorria, a pé, uma distância de aproximadamente seis quilômetros para levar o seu almoço, que era, especialmente, preparado por minha mãe.

Ela sempre fazia o que ele mais gostava. Lembro-me da costelinha de porco, da banana, da terra, frita, aipim frito e outras delícias.

Meu velho tinha a mania de colocar no seu prato laranja cortada em rodelas e aquilo me parecia muito gostoso.

No caso da laranja, onde tudo começou, todos lembraram do seu jeito especial de descascá-la. Fazia com tanta desenvoltura e precisão, que nos deixava admirados. Além de como descascava a fruta, meu pai tinha uma forma, muito particular, de cortar a “chupeta”, fazia-o em forma de cone, tão perfeito que parecia mais feito por uma máquina do que por suas mãos.

Após destacar a “tampinha ou chupeta”, era como chamávamos a parte cortada para que tivéssemos acesso ao caldo da laranja, passava-a às nossas mãos, prontinha para ser deliciada. Interessante é que sempre disputávamos aquela parte em forma de cone. Era gostoso saboreá-la, não só pela sua forma, mas, talvez, pelo carinho e precisão com que o fazia para nos oferecer. Com esse corte, tão especial, ficava na laranja, uma espécie de depósito de caldo que após um leve aperto, transbordava do líquido que sugávamos com avidez.

Assim era o meu Velho. Muito dedicado e carinhoso com a família. Já em 1945, quando nasci, na época que fazer uma fotografia em preto e branco era difícil e dispendioso, não poupou recursos, fez várias tanto minhas quanto de meus irmãos. Há dois anos passados, descobri, com minha tia uma foto minha, ao colo de minha mãe, com dedicatória, feita a “caneta-tinteiro” (hoje peça de museu), cuja letra, com traços firmes e delicados, mostrava seu talento com a escrita. Acho que gostava de ler, lembro-me de alguns livros bem antigos.

Por ser o filho mais velho, fui estudar em um internato. Nessa ocasião ganhei dele uma caneta, muito especial, “caneta-tinteiro” Parker 51, igual a que ele usava. Esse seu gesto me fez desejar imitá-lo em algumas coisas, principalmente em escrever como ele. Letra bonita, bem traçada com a, inesquecível, caneta Parker 51.

Era austero e ao mesmo tempo delicado. Tinha traços rústicos de um homem de luta, mas demonstrava graça e desenvoltura, nos mais simples gestos. Meticuloso em tudo, era também criativo e versátil. Para mim, quando criança, era como estar à frente de um gigante poderoso que tudo sabia e fazia. De cerca de horta à casa para galinhas (galinheiro) construía com uma perfeição invejável. Tinha métodos próprios para plantar uma árvore, uma bananeira e para cada planta que cultivava (eram muitas), tinha um jeito diferente de cuidar.

Sua caixa de ferramentas. Aquela era invejável. Talvez, o seu bem mais precioso. Como cuidava delas. Tinha sempre uma para cada detalhe de seus trabalhos. Formões, martelos, chaves de fenda, plaina e serrotes, de vários formatos e tamanhos, dos quais cuidava com muito carinho.

Sei que seu método e conhecimento de como criar uma família era, para os dias de hoje, um tanto ultrapassado. Mas graças a esses métodos fomos criados com um certo rigor, o qual nos ensinavam bons princípios de honestidade e lealdade. Disso me orgulho, aprendi com ele, através de seus exemplos.

Só não aprendi tão bem descascar a laranja, mas me esforço, como ainda sou, relativamente jovem, creio que em breve estarei bem próximo da perfeição. É uma questão de treino. Devo, por isso, me oferecer para descascar as laranjas de todos.

Então? Que achou da descrição do meu velho?

Posso descascar sua laranja?