Minha terra natal
Por: Neodo Ambrosio de Castro
Minha terra natal
Por: Neodo Ambrosio de Castro
Eu conheci Coelho Bastos – Parada de Coelho Bastos – quando o progresso passou por lá, simplesmente passou, mas não parou.
Coelho Bastos, não era cidade nem distrito, mas pertencia ao município de Eugenópolis MG, assim como outras pequenas localidades que se estendiam ao longo da estrada de ferro Leopoldina.
Era uma parada de trens, com uma pequena estação, chefiada pelo Sr. Barroso. O lugarejo, devia ter, na época, pouco mais de 100 habitantes, mas era um local desenvolvido, tinha uma agência dos Correios, telefone público, daqueles que tínhamos que girar uma manivela e chamar a telefonista. O armazém da estação da estrada de ferro estava sempre cheio. Lá os produtores da região depositavam a produção de suas propriedades que eram transportadas pela estrada de ferro para Rio de Janeiro, então capital da república. Entre frangos, ovos frescos, queijos e outros não perecíveis. A Estrada de Ferro Leopoldina era o progresso que passava, levando e trazendo passageiros, notícias, mercadorias. Em 1945 já tinha luz elétrica, fornecida pelo fazendeiro João Cruz, cuja fazenda era a maior da região.
Eu conheci a Parada de Coelho Bastos, conheci e nasci lá. Minha avó materna, proprietária rural, tinha uma pequena fazenda chamada São Bento, meu avô materno, um filho de italiano, artífice, fazia ferramentas para a lavoura em sua ferraria, meu pai era funcionário da Estrada de Ferro. Ele passava de ida e de volta, mas só parava lá uma vez por semana.
Sem maternidade, sem saneamento básico, sem água encanada, mas tínhamos um rádio, um bom armazém onde os trabalhadores da roça tomavam sua cachaça à noite e compravam fumo de rolo para fazer o cigarro de palha. Quando a noite já estava alta, iam caminhando para suas casas, cambaleantes e felizes.
Os distritos vizinhos até tinham inveja de tanto progresso, e não admitiam que em um lugarejo tão pequeno pudesse ser tão significante.
Era um local importante, tinha missa aos domingos e futebol depois.
Tão importante que os moradores podiam embarcar no expresso à noite e amanhecer na capital do país. Importante, porque tinha um telégrafo via fios de cobre que comunicava diretamente com a capital.
E a festa de São João?
Era tão concorrida que o vai e vem, de pessoas congestionavam a subida do morro da Igreja e enchiam o campo de futebol. Vinha até time de fora.
À noite tinha baile e leilão. Ah! Do leilão não consigo esquecer. Aquele cheiro de franco assado, para mim era uma tortura e nunca meu pai arrematava um. Eu só sentia o cheiro.
Um dia, já não mais morava lá, quando tive a notícia. O lugar teve um inesperado desgosto, começaram a arrancar os trilhos da estrada de ferro. Não haveria mais trem, e nem motivo para concentrar tantas pessoas.
Seus moradores foram mudando um para cá outro para lá e Coelho Bastos, entrou em coma, não suportou a perda, deixou a história mais repentinamente do que havia entrado. Sei que partiu magoada, mas deixou muita coisa boa.
A saudade de ver o trem passar todos os dias indo e vindo. Da cachoeira, das viagens a pé até São Bento, dos tombos dos cavalos, e o queijo da Mariquita e da minha avó Leocádia, do café que a minha tia me oferecia em caneca de lata e o leite que era adicionado pelo retireiro Nelson direto das tetas das vacas, na caneca de café, que se tornava em um café espumante que jamais vi em outro lugar. Que delícia!
Assim morreu Coelho Bastos.
Minha terra Natal, não existe mais.
Hoje, quando passo pela estrada, única coisa que sobrou, não vejo mais a estação, a minha casa, a Igreja, olho para os locais de onde erguiam, com respeito e tristeza, quase faço uma reverência. Um aperto no peito me faz sentir a perda de alguma coisa que não sei explicar.