O CASAL DO VIENA CAFÉ

É interessante como a vida alheia nos chama a atenção. E foi numa dessas situações, de exposição da vida alheia, que não só eu, mas todos que estavam ao redor, se interessaram pela calorosa conversa de um certo casal no Viena Café. De certo que era um “barraco”, mas não se sabia na verdade o por quê.

O sotaque argentino misturado à tentativa frustrada de discrição, impedia que aqueles que estavam a uma distância de cerca de quatro metros, conseguissem traduzir as palavras ditas entre carrancas e dedos apontados.

Alguns, claro, nem se interessaram muito pelo que acontecia. Era o caso, aliás, de um senhor sentado há vários minutos no canto da parede. Ele não bebeu, nem comeu. Tinha o olhar quase fixo no nada, por isso, acredito não ter se dado conta do que acontecia ao seu redor e sabe-se lá, em sua vida.

Ao perceber as primeiras palavras exaltadas, olhei para os lados e notei que mais pessoas também já se dividiam entre seus próprios cafés e a conversa amarga daqueles dois.

O homem, um tipão alto, cabelos grisalhos, já coroa, usava uma roupa bem descolada com a gola da camisa tipo pólo levantada. Fazia o estilo “não quero briga”, mas quando resolvia emitir algum som era o momento que percebíamos o “climão”. Nesta hora franzia as sobrancelhas, olhava fixo nos olhos de sua parceira e emitia frases curtas, porém raivosas.

A mulher tinha um estilo de atriz argentina. Cabelos de Cleópatra, grandes olhos, pele lisa e bem cuidada. Um corpo esguio, vestido colado ao corpo, bolsa de grife e sapatos de saltos altos. Ela falava e olhava em direção paralela ao rosto de seu parceiro, como se esperasse alguém chegar. De braços cruzados fazia a típica cena de mulher quando briga, falava sem parar. Só era interrompida quando o homem resolvia responder alguma frase desafiadora.

Por várias vezes o homem apontava os dedos em direção ao rosto da mulher e em uma dessas vezes ela segurou o dedo dele e falou firme olhando em seus olhos. O tempo ia fechar.

Mas de repente eles se levantaram e ficaram andando de um lado para o outro como se algo fosse acontecer a qualquer momento. Ela, corpo empinado e cara fechada. Ele de mãos guardadas nos bolsos da calça jeans tentando, creio eu, se segurar. Assim seguiram sem dar nem mais uma palavra e deixando para trás um rastro de cochichos.

As atendentes do Café falavam umas com as outras sem parar. Trocavam informações sobre o que escutaram. E eu, na tentativa de desvendar o segredo daqueles dois.

Poderia ser uma briga comum de casal. Ciúmes? Talvez. Poderiam estar brigando por causa de algo que o filho adolescente pudesse ter aprontado. Ou em mentes mais criativas, poderia ser um mafioso estrangeiro brigando com sua garota.

Levantei-me, fui andando até o balcão na tentativa de escutar o que as mulheres comentavam sobre o caso. Elas riam e falavam umas com as outras, quase nem notaram minha presença. Esperei que se dirigissem a mim, mas de certo que a troca de informações sobre o que haviam escutado da conversa do casal chamava mais a atenção do que minha presença.

Decidi: ao pedir o café e a água, vou também matar a sede da minha curiosidade. Fiz meus pedidos normais, mas voltei para a mesa com as mesmas interrogações de antes.Foi melhor não perguntar. Ter o poder de imaginar vários motivos e possíveis finais para aquela história seria o melhor meio de exercitar a minha criatividade.

E quando já estava distraída com minha própria vida, olhei para o lado de fora do shopping e lá estava o casal, talvez na espera de um taxi, para também seguir com a vida deles. A expressão corporal era a mesma, ainda distantes, porém juntos! E assim, num piscar de olhos e um gole de café, o casal se foi deixando para trás uma história que se repete nos shoppings, nos restaurantes, nos bares, nos lares...

Lara Spalla