Até zero hora

Até zero hora

Quem não gosta de comemorar seu aniversário? Quase todo mundo festeja com alegria a mudança de idade. Uns fazem festa faraônicas, além de suas posses. Outros se contentam com o bolinho, somente para apagar as velinhas. Outros preferem viajar, outros se dão um presente especial. Uns comemoram a sós, outros enchem a casa de amigos. E existem também pessoas que preferem não serem lembradas nesse dia tão especial. Difícil explicar as diferenças humanas.

A D. Conceição era daquelas que adorava mudar de era. Era assim que ela se referia ao completar mais um aninho de existência. Era uma mulher simples, de muitos filhos e ninguém ousava perguntar pelo pai das crianças. Ficava uma fera. Para sustentar a prole, não bastava o mísero salário de zeladora que recebia pelos serviços prestados em uma instituição pública. Como era boa quituteira, fazia bolos, salgados, creme de galinha, que vendia à noite, numa pequena cantina improvisada no quarto da frente de sua casa. Abrira uma porta para rua e atendia os estudantes da escola que funcionava em frente. Como serviam esses trocadinhos. De grão em grão era uma boa quantia que ajudava nas despesas.

De todo dinheiro que recebia, reservava uma parte para a sua festa de aniversário. Próximo à data, mandava pintar a casa, lavar as toalhas de mesa, capinar o quintal e com muita antecedência pedia emprestadas as mesas e cadeiras da amiga Tonha e da amiga Teresa. Tinha muito prazer em realizar essa festa.

Recebia bons presentes, porque seus convidados eram de elite. Convidava o chefe da repartição, os doutores, os advogados e todos os colegas de trabalho, principalmente os do alto escalão.

Simpática e carismática. Muito correspondida em suas amizades. Todos marcavam presença, demonstrando o quanto D.Conceição era querida. Era uma mulher excêntrica. Ignorante. Pouco estudo. Mas de uma inteligência invejável. Sabia paparicar as pessoas certas e lutando aqui, lutando acolá, conquistando um e outro, arrumava emprego para os filhos, para as noras e ajeitava até os vizinhos.

O aniversário era engraçado. As mesas espalhadas no quintal de areia. Os sapatos finos das madames ficavam empoeirados. Ela gritava todo hora pelo Bernardo que tinha que servia momentaneamente a todas as mesas. Coitado do menino. Isso sem falar na dificuldade de estacionamento. Rua estreita, esburacada e com mil guris para olhar o carro.

Mas a aniversariante era uma grande anfitriã. Servia tudo direitinho dentro de sua simplicidade. Cuidava com esmero de seus convidados. E, diga-se de passagem, tudo que servia era feito por ela. O peru de D.Conceição não existia outro igual.

Cerveja gelada, a tempo e a hora graças ao moleque Bernardo e a ela própria que corriam pra lá e pra cá.

Seus convidados eram sempre os mesmos. Todos já estavam acostumados com o desenrolar da festa que tinha hora de começar e terminar. Começava às 19:00 horas e zero hora todos já haviam se retirado.

No último ano, porém, dois convidados permaneceram um pouco mais. O José e o Pedro, funcionários novos da repartição. A noite estava agradável, convidando para que o bate - papo se alongasse um pouquinho mais. Lamentavam a ausência de seus colegas. Por que saíram tão cedo? Indagavam-se.

E jogavam conversa fora, entre um copo e outro de cerveja. Bernardo agora estava de prontidão. Atento para não faltar bebida no isopor. E quando eles solicitavam um salgadinho, um creme de galinha, eram subitamente atendidos.

Nessas alturas, D.Conceição estava num canto a desenrolar seus presentes, depois começou a juntar os pratos, retirar as toalhas como se o aniversário estivesse acabado mesmo.

Os últimos convidados resolveram se levantar. Na verdade já estava tarde, quase duas horas da manhã e no outro dia tinham que trabalhar. Enquanto procuravam Da Conceição para se despedirem, o menino Bernardo contava as cervejas debaixo da mesa, e as tacinhas desocupadas de creme de galinha que estavam sobre mesa.

E antes que se ausentassem apresentou - lhes a notinha.

- Nota de que? Indagou um deles.

- Da cerveja e do creme de galinha que vocês consumiram, respondeu Bernardo.

José e Pedro responderam igualmente:

- Mas não era por conta do aniversário de D.Conceição?

- Sim, mas o aniversário dela foi ontem. To cobrando o consume de hoje.

Ninguém explicou “aos novatos”, que o aniversário de D.Conceição só era comemorado até zero hora. Mui amigos.

Entenderam agora por que a casa se esvaziou antes da meia – noite?

Maria Dilma Ponte de Brito
Enviado por Maria Dilma Ponte de Brito em 01/01/2007
Reeditado em 24/05/2020
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