A  minha plantação de chuchu



 
                        A minha carreira de  agricultor foi curtíssima.
                        A exuberante plantação de chuchu,  incrivelmente, acabou com  essa minha vocação.
                        Vou explicar aos queridos amigos, já dizendo que vou ter que incluir nessa história  o meu cachorrinho Dunga, a minha tartaruga Dalva, as galinhas, e, naturalmente, os meus chuchus.
                        Nem sei por onde começar, tal a minha frustração, por não ter seguido a carreira de agricultor afamado, com ligeira incursão na criação de galinhas, tudo por causa do chuchu.
                        Lá pelo início da  década de 70, meu pai encomendou a construção de pequena casa de veraneio em Penedo,  na época, distrito do município de Rezende, no Estado do Rio de Janeiro.
                        Já ia deixando escapar uma protagonista coadjuvante, responsável pela perda da minha inocência, naqueles tempos paradisíacos. Falo da Eneida, dez anos mais velha que eu.
                        No correr da história, a Eneida entra em ação, para a minha alegria. Mas vamos aos chuchus.
                        Ainda rapaz, naquela fase que não sabemos fazer nada, ansiava mostrar para o mundo que iria produzir alguma coisa que prestasse. De repente, vejo no jornal:  "Curso por correspondência de agricultor. Escreva para Campinas, São Paulo, envie a quantia tal e começaremos a enviar o curso por capítulos." 
                        Seguindo a minha intuição filosófica de fazer tudo “rápido e mal feito”, que segundo um general gozador é a filosofia da cavalaria do exército, por causa do cheiro terrível da bosta dos cavalos, achei por bem me especializar em plantação de chuchu. Já estava estudando aquele calhamaço de apostilas que o Curso de Campinas não parava de me mandar. Fazia até provas... Claro que “colava”  nas provas. De manhã, banho no rio das pedras; de tarde, banho de cachoeira;  à noite sauna  e dança finlandesa no Clube Finlandês.
                        Fui um agricultor original, mais afeito a banhos de cachoeira, passeios a cavalo  e danças finlandesas.                   
                        Com o pouco tempo que me sobrava, criei coragem e plantei os primeiros chuchus. Aí é que foi minha desgraça. A inexperiência é um problema. Plantei tudo rente à janela do meu quarto, nos fundos da casa, lá onde dormia a minha tartaruga Dalva, debaixo da minha cama,  para eu não ter asma. Era a simpatia da época.
                        Tive um sucesso imediato, em um mês  tinha chuchu pra dar e vender. O único problema é que a casa foi tomada literalmente pelos chuchus, como se vê na foto desta crônica.  
                        Não sei se foi coincidência, mas quando a nossa casa sumiu debaixo dos chuchus, parece que houve um pânico geral. A minha tartaruga conseguiu fugir do meu quarto, tomou o rumo da estrada, embrenhou-se numa mata virgem existente atrás da casa,  e até hoje  não retornou. O Dunga quebrou a perna, fugindo de um gato, tendo se tornado um cachorro raivoso.   As galinhas abandonaram o galinheiro, que, para dizer a verdade, estava sempre com a porta aberta. Eu desejava ser um criador de animais e um agricultor democrata, humanista. Deixava os bichos livres. A polícia federal  me devolveu algumas galinhas, que já estavam ciscando na estrada Rio- São Paulo. As minhas teorias bizarras  sempre me  deixaram     em  maus lençóis.
                        Claro, meu pai  mandou  destruir toda a minha plantação de chuchus, salvando a casa. E recebi a advertência fatal:  - de hoje em diante, você não planta mais nada, fica liberado para os banhos de cachoeira e para os bailes dos finlandeses e só.  
                        Talvez este fato doloroso tenha me feito voltar decididamente  para as amizades femininas.
                        É possível que Freud explique isso. O  chuchu, sei não... O Freud era muito malicioso...    
                        E comecei mal. Começo a namorar a Eneida, com 30 anos e eu com 20. Um  quase-agricultor falido e sem emprego. Um ano de namoro e a família  se apavorou, imaginando   que eu fosse me  casar. Houve uma revolução na minha casa. Foi sempre assim, toda vez que quis revolucionar, lançar minha flecha mais adiante, me podaram. Assim como fizeram com os meus chuchus.
                        Fico a imaginar, naquela época de repressão sexual, sendo considerado a Chiquinha Gonzaga de calças, às avessas, o menino travesso conquistador de balzaquianas... Na verdade, não seria nada disso. O inocente era eu. Mas foi bom... Os meus leitores e leitoras sabem como é a imprensa. Iriam exagerar o meu caso...  Com certeza, teria um passado mais glorioso, com entrevistas na televisão e coisa e tal. Mas não, por incompreensão dos pais, restou-me apenas esse passado inglório de agricultor fracassado.                   
                        Meus pais resolveram, mesmo, acabar com aquele namoro, por causa da diferença da idade.  Ameacei:  - se tiver que terminar o namoro, volto a plantar chuchu.   Meu pai, que  já conhecia meu ponto fraco,  me deu logo  o xeque-mate: “você não vai plantar chuchu, e  muito menos batatas. A partir de hoje, fica sem o carrinho DKV pra passear à noite”.     
                        Foi, então, que entrei para a Faculdade de Direito e me tornei um advogado para defender os mais fracos e oprimidos,  mesmo que perdesse pra "chuchu" a maioria das causas...