EU ODEIO KARAOKÊ
Hoje vão fazer uma festa de aniversário para uma colega de trabalho. Durante uma semana, uma colega saiu coletando dinheiro para comprar presente e a comemoração seria numa pizzaria perto do trabalho, não atrapalharia ninguém na hora de ir embora.
Donana não gostaria de participar, gostava até da aniversariante, mas a comemoração é que seria demais. Teria que ir, teria de fazer o seu papel.
Às vezes somos colocados em determinadas situações que somos impelidos a ter que realizá-las, participar, ficamos vulneráveis a pessoas e acabamos por ser o que não gostaríamos de ser. Apenas fazemos parte de algo muito maior que nós. Somos empurrados e agora temos que nos agarrar em qualquer coisa que estiver pelo caminho para ficarmos ainda de pé.
“Não gostaria de ir a essa festa, até que pode ser legal, mas não quero.” Ela pensa enquanto tenta de alguma forma arranjar uma desculpa para escapulir da comemoração. Mas nada vem a sua cabeça, a única coisa que pensa é em falar a verdade. “A verdade é a melhor camuflagem. Ninguém acredita nela” lembra desta passagem em um livro que leu. Mas com certeza se falasse a verdade ninguém iria acreditar. Ficariam sentidos, sua situação no trabalho ficaria constrangedora, todos pensariam que ela não gosta de ninguém. Pensa nisso tudo enquanto desliga o seu computador e se prepara para sair.
Tem que ir, decidi afinal. “Quantas coisas nós fazemos e nem queríamos, apenas fazemos para não melindrar mais uma situação que por si só já é constrangedora.” Suspira, pega sua bolsa e se encontra com seus colegas no hall do elevador.
Saem do prédio, caminham aos pares, conversando. Ela apenas mantém um diálogo através de monossílabos: “Sim, não, é”.
Chegam à pizzaria, a mesa já está reservada, senta-se e se deixa levar pelas conversas que automaticamente passa a participar sem ao menos tomar consciência de tudo que está ouvindo e falando. Parece uma marionete, só repete o que outros falam. Gosta disso.”Devo rir quando todos gargalharem, devo ficar em silêncio quando todos silenciarem, devo responder se me fizerem uma pergunta, não é difícil! Eu consigo!”
A aniversariante está radiante com a sua “festa surpresa”, abre os presentes, começam a fazer piadas com cada presente que abre.
Fica só observando a alegria das pessoas. Ela até às vezes se sente bem, ri, participa, mas são coisas aleatórias. Olha sistematicamente para o relógio: “Oito horas, irei me despedir com uma desculpa de trânsito e sairei correndo. Preciso ir.”
Enquanto a hora não passa, para ela, seus colegas contam piadas, outros participam de um karaokê. Ela jamais faria isso: cantar em um palco. Seria o extremo de uma exposição. Não quer ficar exposta, ser vista e até mesmo deliberadamente ser julgada. “Que eles me julguem, me critiquem, mas longe de mim.”
Participar de uma karaokê! Ela se imagina no palco, com todos a olhando esperando que cante. E se não conseguisse soltar uma palavra, se desmaiasse de pavor? Correriam para socorrê-la caída no palco. “Que desastre! Prefiro morrer se acontecesse alguma coisa comigo e depois virasse notícia por semanas!!”
Consegue fugir das armadilhas dos colegas.
Olha o relógio, já está na hora de ir. Ficou o suficiente para não ser deseducada e o suficiente que poderia suportar.
Sai. Caminha devagar pelas ruas. Não tem tanta pressa assim, só queria sair de lá. Acende um cigarro e caminha. Sua condução chega logo, apaga o cigarro e entra no ônibus. Fica pensando na festa. “Será que fariam um festa surpresa para mim?Acho que não. Eles sabem que não gosto de surpresas e nem de festas. Devem estar falando de mim agora, o quanto sou esquisita. Que falem! Estou longe deles, posso ser criticada agora.”
Vai pensando em tantas outras coisas que a lembrança da festa vai ficando cada vez mais distante, mais distante até ser esquecida e ser substituída por outras coisas, outras pessoas, outras paisagens.