A subida das canoas
Bandada, bandeirola, bandeirante. Bandada é o revoar de pombos, pomba branca, pomba da paz, pomba do divino espírito santo. Bandeirola é o pendão de Deus tremulante lá na ponta do mastro longo, erguido a pulso firme, no pátio da Matriz, da casa de Deus. Bandeirante é o paulista que abre caminho aos interiores, para as minas de ouro, a expandir fronteiras... E também caminho de esperança e fé àqueles que morriam à míngua, cozidos pela grande peste, a febre amarela, nos rincões de Pirapora do Curuçá.
Foi o que me acorreu vendo os Irmãos do Divino na porta da Igreja a receber benção e permissão, e empreender a nobre missão, a bandeira da bondade para moribundos, que, de certeza, só havia a morte, a boa vontade de almas boas e a luz divina. E as vozes ociosas das ruas briosas:
- Ninguém mais quer saber. Tá acabando... Tem de pagar salário para fazer as visitas, carregar o estandarte, cantar e tocar as modas, dizer as rezas...
Cerimoniosa, a Irmandade adentra à Igreja. Atrás de si, o Padre a lhes proteger de todo mal, do mau, de mim quiçá... Ajoelha, reza, é abençoada e recebe permissão para rio acima rio abaixo levar a benção, a proteção e o amor de Deus. É o limiar entre a quase vida e a quase morte:
- A doença matadeira matava todo mundo: rico, pobre, preto, branco... Até os irmãos que iam ajudar... Faz tempo, muito tempo. Mas se cessarem as rezas da Santíssima Trindade, sei não... Pode ser que volte; não pode?
Engatilhados os remos, armados de fé, o bloqueio do mau, os males cortados pela raiz. Sem maldade todos os credos, todos os pais-nossos, as ave-marias e o medo, um grande medo: medo de que se acabe a Festa do Divino. Pena que o dinheiro público não sirva para proteger aquilo que é publico.
- A Secretaria de Cultura está só para empanzinar-se; sustentar-se a si e sua engrenagem falida...
E a irmandade em fila, em branco, vermelho e azul rumou ao rio, escoltada pela bandinha fanfa, fanfarra azul marinho, fanfãs brancos e balangandãs. Centro velho, ladeira de Porto Geral, uma parada e a cantoria, em versos, em cururu... Espera Curuçá miolada de ouro, ainda é a escadaria centenária, onde nasceu Tietê.
-Aconteceu no tempo antigo...
Sobre as águas calmas, sobem as canoas. Um irmão, dois, dezenas... Desprendem-se os batelões e remam o remar desajeitado de aprendiz, e condiz com força e fé. Rasgam de frente, de lado, pelo meio, na beira, e vencem. Cirzem e singram a correnteza mansa que se esvai em dégradé.
-Vão todos para o Pouso do Gardenal...
Antes de o comboio atingir o Poço da Mãe do Ouro, ainda se vê, rompendo as árvores frondosas ribeirinhas, nuvens e nuvens de fumaça branca e mesclas de cinza azul. Fumaça que sai do trabuco com estrondo e tanto tanto que remete a Urupês.
Mas que importa se se tempera o café com sal? O que importa é que se tire o chapéu para a esperança, a crença, a tradição popular e a Justiça de Deus e dos homens.