Bom mesmo era a Monarquia

Desde que eu comecei a escrever crônicas, há meia dúzia de anos, eu sempre peguei no pé do feriado da Proclamação da República - atualmente, o menos significativo do nosso calendário. Até onde eu sei, não existe qualquer apelo comercial nele - eu, pelo menos, jamais vi um shopping center decorado para lembrar a data. Eles já estão todos devidamente preparados para o Natal. Tampouco me lembro de ter visto por aí algum bonequinho do Marechal Deodoro, ou qualquer adereço que lembre, ainda que minimamente, que um dia a República foi proclamada.

É claro que um feriado não precisa de muita divulgação para acontecer e ser importante. Supostamente, mantemos a comemoração da Proclamação da República para que nos lembremos de que um dia não houve república. O grande problema é que não nos lembramos - a maioria sabe apenas que o 15 de Novembro é um feriado. Como resolver isso? Não podemos sequer apelar para o civismo e o patriotismo, ambos devidamente explorados no 7 de Setembro. Ficou então a data, a simples data, mais uma em que não precisamos trabalhar - ela nem de longe lembra que homens chegavam a se matar em sua defesa.

Acontece que 1889 foi há uns dois milênios, mais ou menos. Não há mais cicatrizes, todas as gerações já morreram - não há sequer lembrança de como era antes. Mais ainda: não há sequer quem nos lembre como era antes. Seria diferente se, por exemplo, houvesse um Dia da Reabertura Democrática, ou algo nesse sentido. As lembranças ainda são presentes, e inclusive vários dos seus personagens. Não faltaria, inclusive, ocasião para se discutir criticamente a data. Se hoje parece loucura que alguém defenda a Monarquia, ainda é possível encontrar em cada esquina alguém suspirando de saudades pela Ditadura.

Imagino - e torço - que isso seja coisa do tempo mesmo. Vai passar. Acredito que em 1911 muita gente via com indignação os rumos do país. Isso porque constatavam que, vejam vocês, problemas continuavam existindo no Brasil - e pior, haviam surgido alguns novos, e os antigos se tornavam mais complexos. É de se imaginar, portanto, que muita gente que viveu - e inclusive que não viveu - se lamentasse em rodinhas dizendo coisas como "bom mesmo era a Monarquia". E mais: acredito que na década de 1840 havia gente afirmando categoricamente que as coisas seriam muito melhores se ainda fôssemos domínio de Portugal.

Isso me lembra os judeus saindo do Egito, e que se viram em tantos problemas no trajeto rumo à Terra Prometida que um dia foram reclamar pra Moisés: "Bom mesmo era quando o Faraó nos escravizava". E falaram isso simplesmente porque ainda não haviam visto tudo aquilo que desejaram quando concordaram em partir. Estavam se sentindo iludidos - achavam que os problemas terminariam imediatamente. Não entendiam que estavam em um processo de transformação. E então chegavam ao ponto de negar a mudança, de não aceitar que ela estava trazendo algo melhor do que tinham em seu passado.

Também é absurdo, hoje em dia, que alguém defenda o domínio português, e mais ainda um estado de servidão como o dos judeus no Egito. As coisas chegaram a um ponto em que isso não é mais posto em dúvida - todos têm certeza de que o estágio atual é melhor que o anterior. Talvez daqui a um tempo isso aconteça com a democracia. E não precisemos mais ouvir tanta gente - em geral, jovens - enchendo o peito para falar que bom mesmo era o Brasil do período militar.