Meu Primeiro Jogo

Estávamos em 1941. Eu estava com 7 anos e o meu pai, Heitor, me disse: “Se o tempo estiver bom, nós iremos assistir, no domingo, ao jogo entre o Campinas F. C. e a A. A. Ponte Preta, no estádio do E. C. Mogiana (o estádio Dr. Horácio Antônio da Costa)”.

Quando ele disse “nós” eu acrescentei no meu pensamento os meus tios, aos quais tinha muita afeição: Joanim, Antônio e Liberato Della Volpe, irmãos da minha mãe Maria. Tinha também o tio Tomáz, mas ele não ia sempre aos jogos, e mais meu tio José Cruz, que era casado com a minha tia Assunta Della Volpe. Todos eram “bucheiros puros”, ou seja, fanáticos torcedores do Campinas F. C., da Vila Industrial. O Campinas F. C. era o tricolor Vilense (imaginem o primeiro uniforme do São Paulo F. C. e troquem o preto pelo azul e o vermelho pelo amarelo. Esse era o uniforme do tricolor).

Naquela época, quem morava na Vila Industrial tinha o apelido de bucheiro, pois o único matadouro de Campinas ficava na Vila. Mas vamos ao jogo.

Eu fiquei torcendo para que o tempo não estragasse os meus sonhos. Ai chegou o domingo, 12 de outubro de 1941. O dia amanheceu ensolarado, com um céu muito azul. O que me encheu de alegria. Ali por volta das 8:00 da manhã, o Senhor Ivo, que tinha uma fundição na sua casa, e que ficava onde hoje é a Rua Taubaté (atrás do salão de barbeiro de meu irmão Laerte Rossi) veio chamar o meu pai para ajuda-lo num trabalho urgente que ele havia pegado. Já era normal o meu pai, aos domingos, ir trabalhar na casa do Senhor Ivo.

Antes de sair, o meu pai me disse: “Não fique triste que ao meio dia eu estarei de volta e nós iremos ao jogo”. E realmente foi o que aconteceu. Por volta das 13:30 saímos da nossa casa que ficava na Rua Carlos de Campos 327 e subimos até a Rua Sales de Oliveira e tomamos a Rua Pereira Lima, para encontrar com os meus tios e, todos a pé, porque não havia condução da Vila Industrial até o Campo do Mogiana (os bondes números 1 e 2, que serviam a Vila, não passavam pela Rua Barão de Itapura, nas proximidades do estádio).

Chegamos ao estádio por volta das 14:15 hs. O Estádio Dr. Horácio Antônio da Costa, que havia sido inaugurado em 1940, ainda não estava totalmente pronto. Existia até uma linha que a manobra da estação do Guanabara usava para trazer material para as obras do estádio. O Campo de jogo e a geral, de concreto estavam terminados. Era uma beleza que a Cia Mogiana de Estradas de Ferro fez para o seu time de futebol, e para a nossa cidade. Mas vejamos o que mais interessa, o jogo em si.

O mando era da Ponte Preta. A Ponte mandava seus jogos no estádio do Mogiana pois ainda não havia construído o seu, o que só aconteceu alguns anos depois.

O arbitro era da Liga Campineira de Futebol, que patrocinava o campeonato, o senhor Francisco Kohm Filho, que algum tempo depois seria um dos melhores arbitros da Federação Paulista de Futebol.

O resultado: A. A. Ponte Preta 2 x 3 Campinas F. C.

Gols de Pão Duro (2) e Nininho, para o Campinas e Lito e Nélson para a Ponte Preta. Os quadros foram a campo assim:Ponte Preta – Serafim, Rodrigues e Emílio; Pagode, Carretel e Nascimento; Birigui, Alvinho, Nélson, Nardinho e Lito. Campinas F. C. – Geraldo, Olavo e Pizzato; Bizú, Barroca e Jaca; Pereira, Carlito, Nininho, Felício e Pão Duro.

Eu havia levado uma folha de caderno e marquei todos os nomes dos jogadores.

Como era costume, depois do jogo, todos os “bucheiros” paravam no Bar do Tico (que ficava na Rua Pereira Lima), ou no Bar Campinas (na Rua Sales de Oliveira, do Felício Andreotti, que jogava no Campinas), para comemorar a vitória do tricolor Vilhense. Nessa tarde paramos no bar do Tico.

Mas as comemorações naquela época eram mais discretas. Havia uma Guerra Mundial em andamento na Europa e isso deixava certa consternação a todos os povos e no Brasil não era diferente. Mas o futebol ainda era uma fonte de alegrias.

Naquele dia eu vi de perto jogadores como Barroca, Nininho, Pereira, Carlito, Felício, Pão Duro, Pagode, Serafim, Carretel, Nardinho, Emílio, Birigui, que eu só conhecia de ouvir meu pai e meus tios falarem.

Então numa folha de papel eu marquei a formação dos dois times. No dia seguinte eu disse ao meu Pai que gostaria de torcer para a Ponte Preta. Ele não gostou muito, mas não me disse nada.

Olhem esta passagem que já fez 70 anos. O Nininho era o jogador mais chegado aos Della Volpe e aos Rossi (os lados da minha mãe e do meu pai, respectivamente). O Nininho jogou no Campinas F. C., na A. Portuguesa de Desportes, na Seleção Paulista e em 1949 na Seleção Brasileira, que venceu o campeonato Sul-americano no Rio de Janeiro.

Em vários jogos formou em uma linha atacante poderosa com Cláudio Cristovão do Pinho, Zizinho, Nininho, Jair da Rosa Pinto e Simão.

Mas quando parou de jogar futebol, o Nininho passou a jogar Malhas, e o fazia muito bem. Entre os anos de 1969 e 1970 ele jogou pelo E. C. Malhas Don Neri. Foram campeões campineiros e paulistas e eu, fazia parte da diretoria do Don Neri. Muitas vezes conversei com o Nininho e ele me dizia do carinho que sentia pela minha finada avó Pascoalina Della Volpe. E que sempre que ele precisava de alguma coisa ele corria até ela.

Ele dizia: “A sua Vó Pascoalina era uma verdadeira mãe para mim e a amizade com os seus tios, o Joanim, o Liberato, o Tomáz, e especialmente com o seu tio Antônio Della Volpe. Todos “bucheiros puros”. Certa vez o Antônio Della Volpe, vendo que dois caras queriam me pegar por causa do futebol, pegou-os pelo braço e disse: “Ou vocês vão embora ou o negócio agora é comigo”. Quando eles viram o tamanho do Italiano foram embora e nunca mais voltaram ao Bar do Tico. E quanto aos Rossi, o seu pai o Heitor, era meu parceiro de truque, e o seu tio Silvestre era o meu anjo da guarda. Quantas vezes ele me socorreu colocando no lugar pernas e braços. Ele era um santo.”

Estou escrevendo estas memórias que também vão para o Recanto das Letras, pois se não escrever alguma coisa do nosso passado, muitas dessas personagens acabarão ficando esquecidas.

Laércio
Enviado por Laércio em 13/11/2011
Reeditado em 14/11/2011
Código do texto: T3333724