Crônicas de Aracaju
Gostaria muito de escrever mais crônicas sobre fatos de Aracaju da minha juventude. Na minha primeira escrivaninha (que ainda está publicada neste site), tenho uma crônica intitulada MENDIGOS, além de outras referentes a fatos reais ocorridos na capital sergipana.
Nesta página eu quero é mostrar um flash da sociedade aracajuana a respeito do comportamento de alguns dos nossos famosos playboys (filhinhos do papai) dos anos 60. Esses rapazes fizeram de tudo, participavam do que hoje se chama pegas automobilísticos, engravidavam moças da classe média quase pobre, promoviam arruaças, quebravam as vidraças dos dois mais famosos clubes da cidade e se esbaldavam nos carnavais e nas praias.
Pouco me faltou para que hoje eu não estivesse aqui para contar esta história. Cursava o terceiro ano do Clássico quando, a maior parte da turma precisou solicitar transferência para o turno noturno, pois só conseguíamos notas baixíssimas em determinada disciplina. A professora altamente competente, exigente e impiedosa. Não admitia segundas chances e se ainda estivesse na ativa seria daquelas de comportamento excludente. Esse discurso de inclusão a faria rir ironicamente. Acreditem vocês que me leem que ela tem um rosto que lembra a nossa Presidenta. Faço justiça e digo que a Presidenta é uma versão bem melhorada em termos de estética. E quem é aracajuano e daquela época bem sabe de quem estou falando.
Naquela noite voltei da aula sem minha colega. Acredito que eram as vinte e duas horas e mais alguns minutos no centro de Aracaju. Vinha do Colégio Atheneu e percebi que um carro esporte parecia me seguir. Entretanto, preferi pensar que fosse um carro entre outros passando. Mas algo nos sinaliza, algo até na marcha que desenvolve o veículo parece nos dizer. Há um traço psicológico e o carro parece personificar-se.
Continuei em frente e tentando crer que era mesmo apenas um carro passando. Um calor diferente tomou a rua. Senti-me só e a rua cresceu. A esquina que vi tão próxima agora estava a uma distância inalcançável. Corri. Atravessei a esquina. A mente funcionando mais veloz que o veículo. Alcancei a segurança do Parque Teófilo Dantas. Entrei pelos vãos da galeria de arte. Corri mais. Não olhei para trás. Passei pela frente da Catedral Metropolitana feito um bólido da Fórmula 1. Alcancei a esquina da padaria. Avistei pelo canto do olho os rapazes na esquina da outra rua, os faróis do carro pareciam os olhos de uma fera. Rezei. Eles cantaram os pneus. Correram para me alcançar na rua onde fica a minha casa. Avistei o carro ao alcançar a esquina e até hoje não sei como consegui chegar ali.
Atravessei a rua sem pensar, sem ver. A porta de um funerária, a mais renomada da cidade. O funcionário sentado em uma cadeira posta na calçada esticava as pernas enquanto esperava clientes. Foi a ele que pedi ajuda. Minha voz saía aos fiapos. As pernas pareciam tocar caixas de banda marcial. O funcionário da funerária quase me empurrou para dentro da loja enquanto eu tentava explicar. A calma dele dava a entender que compreendia o que se passava. Tudo isto num átimo. E o carro vinha acelerado.
Ontem, relembrando este e outros fatos que pensava já calmos na lembrança, vivi as mesmas emoções daquele instante. Curras aconteceram em Aracaju daquela época. Os crimes foram sendo esquecidos ou colocados propositadamente no esquecimento coletivo. Lembro-me de um caso em que uma moça foi currada por uns dois ou três rapazes, além do que, encheram a vagina do cadáver com areia e, quebrando uma garrafa de refrigerante, os delinquentes introduziram-lhe os cacos no ânus. Então, nem só o Rio de Janeiro teve Aída Cury. Tivemos as nossas.
Agora, só para um contraponto tragicômico, digo a vocês que levei carreiras de jovens em Buenos Aires e também no Bairro Pituba, em Salvador, quando ainda estudante universitária. Ufa, escapei!