Nem sempre a vida fala
Estamos tão acostumados ao burburinho da vida acontecendo que nos esquecemos do silêncio.
Não revelamos os nossos segredos, que são os pensamentos que não devem ser partilhados. Preferimos guardá-los em algum lugar de nossa mente, a mais fantástica invenção da vida: o pensamento.
Quem não se abre por inteiro, entretanto, revela-se muito mais aos olhos perspicazes da sensibilidade de (algumas poucas) pessoas. De outro lado, ser astuto é também a qualidade de saber identificar o que se passa verdadeiramente com nossos pares, amigos, colegas, sem que haja a conotação de bisbilhotice.
Pessoas que trabalham com afinco e cada vez mais mergulhados nas suas tarefas são sérios candidatos ao “silêncio” porque não partilham as pequenas coisas em grupo. São sempre os primeiros a chegar ao trabalho e suas mesas acolhem papéis úteis (e inúteis) em grandes pilhas. Não participam das piadas e das brincadeiras para descontrair, tão comuns e necessárias nos escritórios. Quando tiver que enfrentar o término definitivo de seu período de trabalho efetivo, por aposentadoria ou fim de contrato, irá enfrentar sérios problemas de adaptabilidade em família e fora dela. No fundo, temos até certa inveja de quem se ocupa acima do permitido, porque o seu dia passa mais depressa que o de seus colegas e seu relógio corre feito louco.
Quando a vida acontece normalmente, jogamos todas as cartas para sermos felizes e nunca pensamos que teremos que viver este silêncio obrigatório um dia. É sobre isto que penso hoje, quando a perda de alguém (importante, era sim!) acontece com furor e acaba com tudo que era bom num piscar de olhos.
Aquilo que era bonito ficou feio, se tivesse um mínimo valor passou a ser nada, o que fazia sorrir deu lugar à lágrimas constantes. É o luto que se apodera de todos, sem dó. De nada adianta o PHD, o dinheiro, as roupas bonitas, a casa equipada, o carro do ano. É hora de absorver as tais lágrimas e molhar os olhos de vez; tampouco adianta o refúgio nas vidas ocupadas por todas as atividades possíveis. A dor do luto se instalou e agora é o momento de deixar partir quem pegou a estrada sem que se esperasse ou se percebesse. Não deu tempo.
Aprisionamos quem não deseja mais ou não pode mais ter um lugar cativo em nossos dias. Transformamos a perda definitiva na ilusão da volta e os dias passam – até anos – e não nos damos conta que a passagem foi comprada apenas para ida. Não podemos segurar o que se soltou de nossas mãos.
Haveremos de compreender que somos substituídos em questão de dias – e existem casos que a substituição só “estava esperando” a hora de tomar o lugar. Todo o valor que pensávamos ter não era luminoso, pelo contrário, era escuro e frio.
No caminhar normal da vida, ficamos doentes, perdemos entes queridos, rimos de coisas engraçadas, choramos quando estivermos tristes e nos recolhemos quando sentimos ser necessário. Faz parte da vida ganhar, perder, dividir, entregar, lamentar, amar - e nela se inclui o desamor.
Nos últimos segundos, famílias perderam seus filhos, pais, irmãos. Reuniões tensas foram realizadas em escritórios. Pés de café foram plantados, hortas inteiras regadas, ventos fortes as destruíram e outras nasceram. O sol brilhou no norte, o sul gelou, o fogo queimou muitas árvores e as águas dos mares tomaram as areias das praias.
Nos últimos segundos alguém nasceu em berço rico, outro sequer tinha um pano para abrigar seu corpo. Ternos abraços foram trocados entre amigos, beijos ardentes entre amantes, carros acidentados, filho amamentado, bola na rede, assassinatos e estupros. Festas de aniversário com muitas ou poucas velinhas, hospitais abarrotados de doentes sem atendimento, frio demais, calor demais, poucos amigos, muitos conhecidos, falta de alimentos, solidão de sobra e tão pouco amor.
Quantos estão vivendo o luto e guerreiam com ele porque não querem mudar um milímetro de suas vidas, antes tão confortáveis. Ninguém sente prazer em uma situação onde a PERDA é a única vencedora.
Para que o luto seja vivido e curado é necessário vestir-se de negro e este é o verdadeiro silêncio. Para que o luto tenha fim, é necessário sepultar. Não somente as pessoas que se foram, mas também aqueles que passaram por nossas vidas e não mais partilharão a mesma estrada.
Sonia Rita Sancio Lóra
13 de novembro de 2011
Sempre aos Domingos
Imagens captadas no Google
Estamos tão acostumados ao burburinho da vida acontecendo que nos esquecemos do silêncio.
Não revelamos os nossos segredos, que são os pensamentos que não devem ser partilhados. Preferimos guardá-los em algum lugar de nossa mente, a mais fantástica invenção da vida: o pensamento.
Quem não se abre por inteiro, entretanto, revela-se muito mais aos olhos perspicazes da sensibilidade de (algumas poucas) pessoas. De outro lado, ser astuto é também a qualidade de saber identificar o que se passa verdadeiramente com nossos pares, amigos, colegas, sem que haja a conotação de bisbilhotice.
Pessoas que trabalham com afinco e cada vez mais mergulhados nas suas tarefas são sérios candidatos ao “silêncio” porque não partilham as pequenas coisas em grupo. São sempre os primeiros a chegar ao trabalho e suas mesas acolhem papéis úteis (e inúteis) em grandes pilhas. Não participam das piadas e das brincadeiras para descontrair, tão comuns e necessárias nos escritórios. Quando tiver que enfrentar o término definitivo de seu período de trabalho efetivo, por aposentadoria ou fim de contrato, irá enfrentar sérios problemas de adaptabilidade em família e fora dela. No fundo, temos até certa inveja de quem se ocupa acima do permitido, porque o seu dia passa mais depressa que o de seus colegas e seu relógio corre feito louco.
Quando a vida acontece normalmente, jogamos todas as cartas para sermos felizes e nunca pensamos que teremos que viver este silêncio obrigatório um dia. É sobre isto que penso hoje, quando a perda de alguém (importante, era sim!) acontece com furor e acaba com tudo que era bom num piscar de olhos.
Aquilo que era bonito ficou feio, se tivesse um mínimo valor passou a ser nada, o que fazia sorrir deu lugar à lágrimas constantes. É o luto que se apodera de todos, sem dó. De nada adianta o PHD, o dinheiro, as roupas bonitas, a casa equipada, o carro do ano. É hora de absorver as tais lágrimas e molhar os olhos de vez; tampouco adianta o refúgio nas vidas ocupadas por todas as atividades possíveis. A dor do luto se instalou e agora é o momento de deixar partir quem pegou a estrada sem que se esperasse ou se percebesse. Não deu tempo.
Aprisionamos quem não deseja mais ou não pode mais ter um lugar cativo em nossos dias. Transformamos a perda definitiva na ilusão da volta e os dias passam – até anos – e não nos damos conta que a passagem foi comprada apenas para ida. Não podemos segurar o que se soltou de nossas mãos.
Haveremos de compreender que somos substituídos em questão de dias – e existem casos que a substituição só “estava esperando” a hora de tomar o lugar. Todo o valor que pensávamos ter não era luminoso, pelo contrário, era escuro e frio.
No caminhar normal da vida, ficamos doentes, perdemos entes queridos, rimos de coisas engraçadas, choramos quando estivermos tristes e nos recolhemos quando sentimos ser necessário. Faz parte da vida ganhar, perder, dividir, entregar, lamentar, amar - e nela se inclui o desamor.
Nos últimos segundos, famílias perderam seus filhos, pais, irmãos. Reuniões tensas foram realizadas em escritórios. Pés de café foram plantados, hortas inteiras regadas, ventos fortes as destruíram e outras nasceram. O sol brilhou no norte, o sul gelou, o fogo queimou muitas árvores e as águas dos mares tomaram as areias das praias.
Nos últimos segundos alguém nasceu em berço rico, outro sequer tinha um pano para abrigar seu corpo. Ternos abraços foram trocados entre amigos, beijos ardentes entre amantes, carros acidentados, filho amamentado, bola na rede, assassinatos e estupros. Festas de aniversário com muitas ou poucas velinhas, hospitais abarrotados de doentes sem atendimento, frio demais, calor demais, poucos amigos, muitos conhecidos, falta de alimentos, solidão de sobra e tão pouco amor.
Quantos estão vivendo o luto e guerreiam com ele porque não querem mudar um milímetro de suas vidas, antes tão confortáveis. Ninguém sente prazer em uma situação onde a PERDA é a única vencedora.
Para que o luto seja vivido e curado é necessário vestir-se de negro e este é o verdadeiro silêncio. Para que o luto tenha fim, é necessário sepultar. Não somente as pessoas que se foram, mas também aqueles que passaram por nossas vidas e não mais partilharão a mesma estrada.
Sonia Rita Sancio Lóra
13 de novembro de 2011
Sempre aos Domingos
Imagens captadas no Google