** SOLO SAGRADO ****
SOLO SAGRADO
Num simples relance de olhos, quais sejam algumas poucas horas, num museu que conta a história de uma batalha de guerra, não é o bastante para apanhar-se o conteúdo. Onde a própria paisagem fala de acontecimentos e, dentro e fora, acumulam-se peças, fotos e escritos que falam de fatos e encantam nossos olhos, com todo esse acervo de dados que falam de historia, poucas são a chances de, por melhor que seja o cronista, dizer em palavras o que seus olhos viram e sua mente anotou nesse exíguo espaço de tempo.
Fui convidado a participar de excursão realizada por um grupo de pequenos estudantes, todos na pré-adolescência, barulhentos, brincalhões e curiosos, mas cujo ônibus que nos levava tinha um destino certo: o local onde se efetuou, em princípios do século passado, a batalha dos campos do Irani, primeira da Guerra do Contestado.
Chegamos ao destino, respiramos fundo o ar puro daquelas plagas e arregalamos os olhos. Sentimo-nos mais miúdos ainda do que na realidade somos, ante tanta bestialidade, que se faz hoje a beleza do lugar, junto com a natureza e foi o que vimos e lemos.
Nas duas casas, de rústica, mas digna construção e estrutura; no cemitério da comunidade e, no próprio local do embate, onde se encontram os restos mortais do monge José Maria, líder do exército caboclo, que pereceu pela causa naquele combate, lemos, ouvimos, meditamos e compartilhamos ideias e conceitos e, de quebra, tiramos muitas fotos e um acervo de novos e reais conhecimentos.
Levei o livro recém editado, autografado para o Sr Vicente Telles,, GUERRA, PAIXÃO E MORTE, que fala dessa guerra, fazendo, onde não mais existe esperança nem amor, o romance da vida. Já ouvira falar do Sr. Vicente Telles por alto, mas não que era e o quanto representa para a causa do contestado e suas implicações. Quando lá chegamos, encontrei um homem de 80 anos, forte, perspicaz, inteligente e, aparentemente, gozando de boa saúde. E, pasmem, neto da família Fabrício, velhos amigos do monge, que recebeu e acomodou o seu José Maria e sua trupe no Irani, quando da chegada do bando àquela terra. Ofertei-lhe, após os cumprimentos e conhecimento, o livro para ele autografado. Ficou visivelmente comovido o velho e simpático homem.
Ainda na parte da manhã percorremos todo o interior das duas casas, adaptadas para servirem de museu. Há salas repletas de recortes de notícias, frases e fotografias; um pequeno auditório para reunir os visitantes em palestras; local para fazer refeições frugais, com uma enorme mesa rústica, banquinhos e cadeiras, tudo do jeito caboclo. Durante duas horas deliciamo-nos com leituras, vendo fotografias pertinentes e peças da culinária cabocla de antanho, que foram úteis no preparo das refeições durante o período da guerra. Depois caminhamos um pouco, observando os arredores, onde flores, arbustos, árvores e paisagens distantes, fizeram a festa para nossos olhos.
Após o almoço, onde a frugalidade se disse presente, um leve descanso, sentados em círculo e conversas, passamos para o auditório. O mesmo ritual de respeito à natureza, uma espécie de prece silente (um canto de entrada), que, ao chegar presenciamos quando, de mãos postas frente ao rosto, emitimos sons de paz, harmonia e respeito, cerrados os olhos, foi ali repetido, luzes apagadas, com um suave lastimar da sanfona do Vicente, como que uma saudação às forças naturais da terra e seus elementos, explodindo, empós, em sonoras vozes que insinuavam cânticos e, a espaços, abruptamente silenciavam, dando vez à gaita imitar o pio de pássaros. De lindo e místico que se fez, confesso que lágrimas forçaram as pálpebras fechadas e um soluço de emoção aflorou-me à garganta.
Que de privilégios teve nossa comitiva : Uma peça teatral criada na hora por Vicente, versando sobre os motivos e os preliminares da guerra até o término da primeira batalha. Foi encenada e teve por atores os próprios pequenos estudantes excursionistas. Sob seu comando e ditando-lhes as falas, Vicente conduziu com competência magistral sua obra, não faltando o desespero e o pranto das novéis viúvas ao final da batalha.
Mais pontos referenciais foram visitados. Inclusive o local onde se realizou a batalha. Eu, tendo em vista a minha deficiência, não pude acompanhar meus amigos, porque lá foi preservada a mata e os monumentos erigidos numa clareira, sem a devida estrada de acesso para carros.
Ao final, chegado o momento de dizermos até logo aos nossos novos amigos e a todo o monumental acervo histórico que ali jaz para ser visitado e lido, o céu chorou. Bendita chuva que deixou patente nossa tristeza por termos que partir.
Enquanto nós adultos, num sniff sniff de alma, estávamos contritos, para os moleques e as molecas tudo foi riso e tudo foi festa.
Afonso Martini – 121111