Pesadelo ferroviário

Meu sonho ferroviário recorrente.

Desde que me aposentei do serviço da estrada de ferro, venho sonhando com antigas estações decadentes, trens velhos sem destino, anciãos e meninos sem futuro ao longo da linha.

Transportei muita carga e passageiros na antiga Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima, onde trabalhei até seu desaparecimento em 1998. A maior parte do meu tempo de serviço foi na estação do Triângulo, na cidade de Itabaiana do Norte. É uma das cinco estações triangulares que existem ou já existiram no Brasil. Aí se juntam as linhas Recife-Natal e a que segue para Campina Grande, Ceará e Maranhão. A empresa que assumiu a ferrovia deixou de transportar passageiros e condenou o trecho Paula Cavalcante/Natal ao sucateamento.

A ferrovia morreu porque os interesses dos trustes internacionais não são compatíveis com essa modalidade de transporte. Como o Brasil não tem independência financeira, deixou sua ferrovia sucumbir. Virou transporte obsoleto por causa do traçado das vias férreas que não permitiam maior velocidade às composições e o estado de abandono do material rodante obsoleto e ultrapassado. Aí, tornou-se economicamente inviável. Sem investimentos, a ferrovia foi sacrificada.

Eu ouvi o último apito do último trem de passageiros, o famoso prefixo PN 4 que tinha como destino a capital potiguar. Vendi a última passagem para a composição puxada pela máquina movida a Diesel. Também vi a última locomotiva a vapor puxando os últimos trens de algodão e agave. Fechei a última estação, de Mari, no trecho Paula Cavalcante/Natal.

Na foto acima, clicada por Coaraci Camargo em 2007, vemos a esplanada da Estação do Triângulo em Itabaiana, tendo abaixo a linha que segue para Timbaúba, Pernambuco, com uma estradinha vicinal atravessando os trilhos, vinda do bairro periférico do Açude das Pedras para a fazenda de Zé de Paulo. Ao lado, um lixão. Temos aí, na mesma cena, quatro casos concretos de degradação social e econômica: o bairro Açude das Pedras, hoje contaminado pelo crime e pelas drogas, a estrada de ferro sucateada, a velha fazenda de antigos faustos e decadente nobreza, e o lixão como prova do abandono a que os gestores relegaram essa bonita cidade às margens do rio Paraíba, outro que também está morrendo.

Tudo isso faz parte do repertório aterrorizante e deprimente dos meus pesadelos medonhos.

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Fábio Mozart
Enviado por Fábio Mozart em 12/11/2011
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