ALIANÇA DE COMPROMISSO

Entrei apressadamente no correio para despachar alguns documentos a serem enviados antes das dezesseis horas. Segundo o grande aviso afixado, dezesseis horas o limite para entrega de correspondências que subiriam no caminhão naquele dia. A funcionária indagou se as mandaria de forma simples, registrada ou por sedex. Se possível, incluiria a correspondência na categoria de cartas sociais – aquela espécie de carta para a qual desembolsamos um centavo na sua viagem país afora. Continuou verificando as taxas no computador. Meus olhos pousaram sobre as mãos pequenas e, na direita, aliança de prata quase embaçada simbolizava o compromisso.

O sistema ainda lento e a falta de proximidade com a funcionária levaram-me ao silêncio, mas em minhas fabulações reconstruía a cena dos argumentos para o uso da aliança de compromisso. A aliança de compromisso tem duas finalidades práticas: medo e propriedade. Quando a mulher possui charme natural ou artificial, elegância peculiar ou dotes pessoais capazes de inspirar poetas de porta de bar, o namorado, com medo de sua desvantagem, lasca-lhe uma aliança para que os outros interessados eventualmente recuem em suas ofensivas. Nem sempre o resultado é garantido. Antes se iludir do que perder o sono. Já a segunda alternativa acontece quando o homem, desejando demonstrar sua força de macho e de mandatário, mete uma aliança de prata na namorada a fim de demarcar belicamente sua “propriedade”.

Em muitos casos, as mulheres são convencidas a aceitarem as alianças como símbolo de propriedade do namorado e, nem por isso, nem pela informação de que integram os domínios de posse de alguém, se acham injustiçadas ou se revoltam. Na declaração de imposto de renda, o namorado especifica os bens adquiridos no ano anterior: uma casa, uma moto, uma bicicleta, uma esteira, uma adega de leilão de produtos apreendidos pela Polícia Federal e vendidos legalmente para beneficiar instituições de caridade, cinco vacas, doze éguas e uma namorada, sendo esta última o bem mais barato, mais prático de manter e mais fácil de substituir.

A resposta da namorada a um elogio é a melhor maneira de constatar se a aliança repousa no dedo por questões de medo ou de propriedade. Se eventualmente reconhecer o cheiro suave da mulher numa tarde quente, adorar suas roupas ou informá-la de que de sua franja emanam eflúvios eróticos, preste atenção na resposta. Se ela disser que “meu namorado também acha”, não tenha dúvida, você está diante da propriedade de alguém. Cuide-se! Na primeira oportunidade, tomando conhecimento de sua ação, o “dono” pode reclamar na justiça não apenas direitos sobre as vacas, as éguas ou as galinhas, mas igualmente da “namorada”.

Algumas namoradas são mais espertas. Conheço três mulheres perspicazes que, até hoje, manipulam parceiros com tamanha perícia que os respectivos patetas defendem as idéias delas, como se fossem deles, com unhas e dentes. O detalhe mais interessante talvez seja a infidelidade. Enquanto os três patetas defendem com unhas e dentes as namoradas, propagando idéias delas como se fossem suas, elas simplesmente flanam, dançam e se envolvem com exemplares masculinos muito mais interessantes.

-Vinte e três reais e noventa centavos.

Despertei de meu devaneio, puxei cinco cédulas de cinco reais da carteira, frisei bem as faces da atendente sem definir se ela se enquadrava no domínio dos namorados “medrosos” ou no dos “proprietários”. Os trejeitos tão desencontrados denunciavam que a aliança de compromisso escondia os desejos de mulher mal amada, descartada sistematicamente pelo parceiro.

Olhares mais apurados denunciam as insatisfações: se você – que é mulher, mas não se sente uma – foi trocada pelo jogo de futebol na televisão ou com os amigos, pelo churrasco ou pela cerveja no bar, a demonstração entre a inteligência e a estupidez está na sua reação.

O compromisso entre duas pessoas não se estabelece em alianças, documentos de casamento ou atestados de união estável. O compromisso entre duas pessoas acontece de várias formas. Já descobriu uma delas?

*Publicado originalmente na coluna Ficções, caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 11 de novembro de 2011.