SERÁ QUE É DA VELHICE?
Dia desses um amigo me perguntou: “Será que estou tendo atitudes dignas de um ser da antiga? Ou, melhor dizendo, será que já estou velho de verdade?”. E ele ainda nem chegou aos 60. Para a “galera”, portanto, ele é velhíssimo, mas, para quem já chegou lá – como eu – ele ainda é um jovem.
Mas, por que ele me perguntou isso? Pelo simples fato de que ainda é um sujeito que fica indignado com os absurdos que ocorrem cada vez com mais frequência dia após dia. Ele comenta sobre os maus motoristas e motoqueiros que não respeitam os sinais de trânsito, daqueles que furam filas sem o menor constrangimento, daqueles que gritam em lugares públicos sem se preocupar com o incômodo que possam causar aos outros, do mau atendimento no comércio, de quem escuta música em alto volume nos coletivos, do péssimo atendimento na saúde, da falta de investimento na educação e, antes de tudo, das falcatruas políticas e seus desmandos, além da corrupção desenfreada.
Agindo assim, ou seja, indignando-se, ele ainda é obrigado a ouvir da mulher e dos filhos (um casal) algo assim: “Isso é típico de velho”. É claro que sua indignação, que já não era pequena, aumenta ainda mais. “Quer dizer então que ficar indignado com a falta de respeito é coisa típica de velho?”, indaga ele.
Os jovens de hoje (e os não tão jovens assim), pelo jeito, não sabem o que significa isso. Estão acomodados e não se envolvem com nada que exija um pouco de dedicação, pensamento e ação positiva em prol do próprio país onde vivem. Tendo o dinheiro suficiente para a balada de final de semana, para a viagem com a “tchurma” e para as bebidinhas saradas, já está de bom tamanho. Ah, e também para a academia, pois o corpo vale muito mais do que a mente. É uma total alienação. E é essa alienação assustadora que permite as falcatruas políticas, os desmandos e a corrupção escancarada. Os donos do poder sabem que não serão importunados e seguem em frente, contando também com a memória fraca do povo que habita este país. O que faz com que muitos cientistas políticos façam um questionamento preocupante e crucial: não nos revoltamos por caráter ou por falta dele?
Claro, não são todos os jovens que pensam assim, mas, infelizmente, a quantidade dos que pensam ao contrário é infinitamente menor. Lembro-me que na minha época de jovem estudante universitário era grande o nosso interesse por literatura. E não só a literatura brasileira, mas a literatura mundial como um todo, inclusive obras oriundas do leste europeu. A boa música também nos influenciou e ajudou muito. Os tempos eram outros, mas de tanto brigar, gritar e sair às ruas demonstrando toda a nossa indignação foi possível conseguir muita coisa boa para o Brasil de hoje. A maior delas: o início da democracia.
Não, meu amigo, indignar-se não é coisa de velho como pejorativamente alegam alguns. Indignar-se é manter o respeito a si próprio, é atitude de quem está vivo, proativo, lúcido e com o pensamento voltado para a preservação da existência humana.
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