Côrnica

Bom, eu saí disparado no minuto mesmo em que se encerra meu expediente. Às 18h30, pra ser mais preciso. Depois que descobri que consigo pegar um ônibus - que vem vazio e com as luzes apagadas - que me deixa a dez minutos de casa (abandonando, portanto, os três ônibus que eu costumava ter que pegar antes da referida descoberta) em apenas uma hora e meia, meu nível de reclamação - vide Twitter ou mesmo no declínio de produção textual - é outro; menos corrosivo, suicida e freqüente. Como eu estava dizendo, saí em disparada porque o ônibus passa às 18h35. Só que ao chegar na esquina da Brigadeiro com a Cincinato o vi passando, ignoto pela humana pecha lázara. "Filha da puta", falei umas três vezes enquanto caminhava a passos largos na direção do ponto. Nem tudo estava perdido: o outro passava às 18h50. Eu só queria chegar em casa, comer algo, tomar um banho gelado, me esvair em hemorragia nasal, bater punheta e gozar na barriga e desmaiar após um peido e um ronco; mas não, fiquei uma maldita hora e meia esperando em vão o filho da puta passar com o letreiro de RESERVADO sendo que havia meia dúzia de passageiros dentro. E foi uma hora e meia na frente de uma das mais renomadas, grandes e caras academias desse furúnculo de cidade - e vocês sabem o que quero dizer com isso. Daí que, no minuto que normalmente chego em casa, me encaminhei à estação de metrô e, uma vez lá dentro, peguei o dito cujo no sentido contrário ao que pretendia ir, ganhando assim uma baldeação a mais com as porras dos universitários matraquentos dissertando sobre suas porras de TCCs como se alguém além deles mesmos - dos locutores, no caso - desse a mínima pra isso (ainda mais se tratando desses futuros administradores de merda). Chegando perto da estação em que desço e pego um ônibus, começou a cair um temporal. Já dentro do ônibus, um desgraçado ficou em pé ao lado do banco que sentei falando alto no celular, com a voz duma biscate vindo dos cafundós do fundo do maldito ônibus e me fazendo rilhar os dentes de ódio. Já na rua de casa, numa parte sem iluminação, na calçada vizinha de um boteco, piso numa pedra pontuda que faz com que minha perna direita vá pro lado esquerdo; a sorte foi ter me apoiado numa árvore. Praguejei, sentindo dor no calcanhar. Já perto da porta de casa, aquela camarilha de sempre ao deus dará, fumando maconha à vontade sem ter que invadir reitoria com revolução nonsense da geração leite com pêra. Aí eu chego em casa três horas depois de ter saído do trabalho e só quero morrer numa quarta pra evitar a quinta que, com certeza absolutíssima, é o meu dia de azar supremo - dia que arranco dente, passo mal com pressão, quebro mão etc., puta que o pariu de vida.

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10/11/2011 - 21h30m

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 10/11/2011
Código do texto: T3329022
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