"O Presente"
Naquela época, de pós guerra, a situação era difícil. As mulheres cuidavam da casa e das crianças. Os homens trabalhavam nas metalúrgicas, ou na reconstrução da estrada de ferro, tentando consertar o estrago que as bombas fizeram.
Eu tinha quase sete anos, mas parecia ter menos, talvez por falta de vitaminas, ou porque era pequeno mesmo.
O Natal se aproximava e minha mãe, uma senhora magra, mas brava como um soldado, controlava a casa.
Já estávamos acostumados, a comida diária era dividida de manhã.
O pedaço maior de pão (preto) era proporcional ao tamanho.
Meu pai e meu irmão tinham enormes fatias, minha mãe e eu pedaços menores.
Vi várias vezes minha mãe pegar seu pão e devolver ao saco onde eram guardados.
Não sei como ela sobrevivia tomando só água.
A noite todos rezávamos como a guerra havia acabado, para que a paz continuasse e tivesse trabalho para todos.
Disse-me ela o presente de Natal, virá para quem for merecedor.
Como era bom menino, com certeza iria ganhar.
Estava muito frio, com certeza iria nevar a noite toda.
Escondido de todos, peguei minha bota e coloquei na janela.
Se soubesse escrever colocaria uma placa “É Aqui.”, mas como não sabia.
Mal tinha amanhecido corri à janela, eu havia ganhado um presente.
Dentro da bota estava um pequeno passarinho, como não sei nomes foi difícil saber qual, só que era pequeno.
Ele não tentou fugi, parecia estar muito fraco e doente.
Coloquei-o sob a camisa de algodão, logo se aqueceria.
Peguei meu pão, dividi ao meio, comi minha metade e a outra piquei em pedacinhos que praticamente o obriguei a comer.
Quando mostrei meu presente para minha mãe, ela que era tão brava e séria, me deu um beijo molhado no rosto que até doeu.
Você mereceu seu presente e agora que o alimentou, aqueceu, leve-o para que volte para seu ninho e para seus filhotinhos.
Com uma coragem que não tinha falei: - Mas ele é meu.
Vi que estava chorando quando falou: - Deus na sua bondade mandou o passarinho para alegrá-lo.
Agora você, agradeça a bondade e devolva, pois é o que Deus espera de você.
Abri a janela e o passarinho voou, antes sentou no beiral, olhou para mim de novo, depois alçou vôo em direção à neve.
Por várias vezes, ele voltou, até que um dia vieram dois depois disso não o vi mais.
Naquela época não entendia. Mas minha mãe e o passarinho me contaram uma história de amor, hoje me lembro de alguns detalhes e falo Ah, quero dizer entendi. Meu netinho fala mamãe o vovô está sonhando de novo. Ela arruma o travesseiro em minhas costas cobre minhas pernas com um cobertor, me beija na testa, pega meu neto pela mão e saem em silencio.
Às vezes ele pega um passarinho caído na neve, trás para dentro trata e depois solta.
Penso comigo, a história se repete.
Só que neste natal, ele ganhou muitos presentes, carros, trens, jogos vários.
É... as coisas mudaram.
OripêMachado.