"Nega Cida."

Na quadra, nega Cida dançava e não tinha pra ninguém. A nega tinha formiga na Anca, muitos gringos babavam por ela. Eu sabia que aquilo tudo era não era areia pro meu caminhão. Mas sonhá num paga, então enquanto eu batia uma caipora, ou um bombeirinho sonhava com ela. Mas pêra aí... , eu também não sou de jogá fora. Nunca medi, mas tenho quase um metro e noventa, bigode bem aparado, cabelo cortado à navalha, trabalho na Estiva, tenho o corpo sarado, só que não é de academia, isto é coisa de frufru. Bato uma capoeira e até sei gingar uma batucada daquelas do cumpadi Zózimo. Neste sábado, eu tinha tomado umas birita, e ia pro meu barraco, pois as quatro tinha a Estiva. Longe da quadra uns trezentos metros, vi um pessoal brincando na rua. Quando me aproximei vi a Cida chorando sem a parte de cima da roupa, e a molecada se aproveitando dela. Quando eu gritei, pera aí mermão, o bando se virou contra mim. Eu já tava chapado, com sangue no zóio, distribui todos os golpes de capoeira que conhecia bem, Depois do trato, sumiram como mágica, só ficou ela e eu. Nunca conversei com santo, mas parecia igual.

- Minha camisa ta suada, mas quer se cobrir? Ela aceitou e começamos a caminhar, ela falou.

– Você tem dinheiro para me emprestar, tenho que tomar um taxi, levaram minha bolsa.

- Infelizmente o que tinha gastei, não tenho nem o do ônibus.

-É que minha casa fica do outro lado da cidade, até lá é uma estirada. -É a pé não dá, se quiser ficar na minha casa, de manhã posso pegar algum emprestado, pelo menos o do ônibus.

-Você consegue?

– lógico.

Quando chegamos em casa que era só um quarto e cozinha, as coisas ficaram meio complicadas.

-Você fica com a cama eu fico no chão.

- Não você fica, falei para você fica na cabeceira e eu fico nos pés. Se ajeita pra lá, se ajeita pra cá, não teve jeito deitamos ao lado um do outro.

-Aí aconteceu, ela se encostou-se em mim. Eu tava de calção e sem camisa ela de camisa e sem nada por baixo, passou a mão no meu peito e falou nossa você é tudo durinho.

Consegui responder.

– É... Não sei como, mas tive a coragem de botar a mão nela também e ela falou sou durinha também né?

A respiração ficou difícil.

- Eu falei vou tomar água

-Me trás um copo também?

Foi só pegar o copo e derramou na camisa.

- Xi derramei tudo, aí tirou a camisa, entreguei minha alma a Oxum e falei segura teu fio que agora nem os guias podem segurar.

E a noite virou dia, que virou tarde.

Comprei pão com mortadela, que comemos e tomamos cerveja, nossas núpcias duraram uma semana, ela sem jeito falou, tenho que voltar para casa, tenho coisas para fazer.

-É eu entendi, acabou.

Dei o dinheiro para ela, que foi embora falando que nunca ia me esquecer.

Voltei a vê-la algumas vezes, nunca fui até ela, mas me via e saía para falar com alguém dando desculpas.

Um dia ela estava bêbada e falou quero ir com você, me leva? Morrendo de dor falei não dá, tem gente lá em casa. Você esqueceu rápido né?

- É... Só que ela não sabe que eu nunca mais tive com ninguém.

Sabe o que é morrer de amor? Mas eu não tinha nada para dar, ela era mulher de gringo, de gente granfa. Quando ensaiava para rainha da bateria eu estava lá. Quando me viu deu uma gargalhada, mas não convenceu ninguém, mas mesmo assim dançou como nunca, parecia um anjo pisando nas nuvens. Eu emagreci perdi um montão de quilos, mas não morri. Um dia deram um recado: Tal de Cida quer falar com você urgente. Peguei um visinho e pedi ara ele ligar para mim. Era do hospital Miguel Couto, mas o paciente estava em óbito. Ai o vizinho disse.

-Ela morreu. Fui no enterro, não tinha ninguém, só uma mulher velha com uma criança no colo de uns três ou quatro anos. Depois do enterro, a mulher falou:- Sou a mãe da Cida, você é o Pereira?

– Sou. Ela ficou com você uns tempos né?

- É...

- Ela pegou um fio teu, é esta menina, que deu para eu criar.

Ela dava dinheiro, mas entrou numas errada e ficou doente.

Só que não queria procurar ninguém. Você foi o único homem que ela gostou.

- Descurpe fio, mas eu pedi pra ela tirá, mas ela não quis. Só quando tava nas últimas que quis falar com você. Queria proteção pra menina.

Levei as duas pra casa, tive que mudar para uma casa maior, Donana, não vai longe ta muito veia, Maria ta cada veis, mais sapeca, é a cara da mãe.

Agora que Donana morreu, ela que é a dona da casa, Pai você viu aquele moço me olhando?

-Não dá bola que ele não presta.

- Que nada é só coisa de véio, ela tem treze anos e corpo de moça, dança tão bem quanto à mãe. Qualquer hora ela vai embora, ela fala que não vai deixar eu sozinho, mas não acredito não.

Fico tomando meu bombeirinho e vendo dançar, ela me manda beijos e os gringos ficam babando, é a Cida reencarnada.

(Os erros foram propositais para dar mais autenticidade)

Esta pequena história diz respeito a um amor

Daqueles iguais a furacões

Que quando passam

Fazem um estrago danado

OripêMachado.

Oripê Machado
Enviado por Oripê Machado em 09/11/2011
Reeditado em 09/11/2011
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