" O Grande Segredo."

Nasci, acho que como todo mundo nasce, com uma pequena diferença.

Todo tem alguma coisa, nem que seja um chinelo velho, nem isto tive.

Na minha tribo, contam que um guerreiro tinha duas mil cabeças de gado, e cinqüenta mulheres.

Sua vida era comer carne, e tomar leite com sangue e mel.

É a comida mais cara do kalahari, não me lembro de ter experimentado, nem para saber o gosto.

Aprendi, com os babuínos, mistura de cachorro e macaco a comer larva.

É saudável e não custa nada é só procurar.

Graças a minha dieta de larvas e raízes fiquei muito forte.

Um dia chegou à nossa aldeia um feiticeiro.

Foi recebido pelo próprio rei, comeu e bebeu do melhor.

À noite dez mulheres jovens deram-lhe banho e o aqueceram.

De manhã, pegou o arco do rei, uma flecha, e foi até uma pequena elevação.

De lá atirou uma flecha.

No local, onde ela caiu, cavaram e realmente tinha água.

Encheram sacos de comida e bebida, que as mulheres carregavam e ele foi embora.

Perguntei:

- As mulheres voltam?

- Às vezes sim, às vezes não.

Comecei a imaginar, como um velho, feio, barbudo, com aquele cachimbo fedido e aquela caveira, conseguia fazer até o rei respeitá-lo? Dizem que é rico, o diabo do velho. Aquelas perguntas não me saiam da cabeça, pior, ele adivinhava onde estava à água, curava, fazia pessoas ficarem doentes, é de dar medo. Mas a curiosidade, e a ganância eram maiores. Não tinha nada para fazer e nem precisava de autorização de ninguém, órfão, pária, escória. Apanhava de todo mundo, motivo era estar vivo, então resolvi, vou descobrir o grande segredo. Andei o dia todo e quando me aproximei da grande montanha, acho que vi gente se escondendo entre as pedras. Quando me aproximei vi que eram as meninas, que o velho feiticeiro havia ganhado de presente. Queriam fugir, voltar para a tribo, mas eu falei:

- Se voltar vocês vão morrer, porque o feiticeiro poderá enfeitiçar a água.

- Ele não enfeitiça nada! É tudo mentira!

- Então porque vocês estão fugindo?

- Por causa das caveiras e ossos da caverna, parece que tem vida.

- Você é um guerreiro, mate o feiticeiro e fique com tudo que ele tem.

Ele é velho, nós te ajudamos!

- Eu não quero voltar e vocês não podem. Então ficamos todos, vocês eram oito, porque só cinco?

- Três fugiram quando vinham para cá.

- E foram para onde?

- Ele disse que mandou os leões devorá-las, mas é mentira. Talvez até estejam vivas, mas vão morrer de fome.

- Eu só tenho minha vara, posso bater nele, mas é pouco, se vocês jogarem pedras ele cai, aí eu pego a faca dele e o mato.

Tudo combinado, eu estava feliz, nunca havia nem conversado com mulher, agora já tenho cinco sócias, numa empreitada de morte.

Quando chegamos próximo da caverna, vimos que o velho falava com as três fugitivas. A fome as havia trazido de volta. Ele estava batendo nelas. Gritei com ele:

- Pare velho! Senão você vai mais cedo morar com seus irmãos dos sonhos.

Ele sacou da faca, mas pouco podia fazer, dei-lhe uma varada nas pernas, ele caiu.

- Vou enfeitiçá-lo! Você vai virar uma hiena! - Tomou outra varada nas costas.

Cada praga que ele jogava, apanhava, até que começou a chorar e pedir para parar. Poderia ter parado, mas precisava mostrar força, e quem era o chefe agora. Vi que estava bastante machucado, falei para as moças:

- Agora as coisas mudaram, tirem a roupa dele. A partir de hoje fiz uma mágica, ele virou um cachorro. Cachorro não usa roupa e só come restos.

Todas concordaram, coloquei as roupas dele, e falei:

- Vamos comer porque meu cachorro está com fome.

Comemos e bebemos. Nenhum de nós tinha bebido leite fermentado, sangue e mel, ficamos felizes e dançamos, o cão não quis comer.

- Amanhã ele come. - Antes de dormir o amarrei numa pedra.

Tive uma noite diferente sonhei que era um grande feiticeiro e que as oito moças, eram minhas mulheres foi muito bom. No outro dia à tarde o velho falou:

- Tenho sede.

Uma mulher ia dar água, eu falei que não.

- Só eu dou água e comida para meu cão. Não quero machucar ninguém, mas se acontecer verão.

Ficaram meio amedrontadas e o tratamento comigo melhorou. No segundo dia sem água o velho falou:

- Vou morrer.

- Só se você quiser.

Peguei uma pequena porção de água e falei:

- Vamos caminhar.

Quando ficamos a uma distancia que ninguém nos ouviria disse:

- Você vai pedir para me ensinar, cada coisa nova que eu aprender é comida que você ganha. Quando não quiser comer ou ensinar é a mesma coisa. Hoje você bebe e come de graça, a partir de amanhã acabou. Dei-lhe água e voltamos para a caverna. Após o velho comer um pouco falei:

- Chega. Você não come nem bebe mais.

Amarrei-o na pedra. A pedra já tinha uma cintura, acho que ele amarrava as mulheres ali. Vai pagar o mesmo preço. Reunimo-nos falei:

- Dentro de pouco tempo a comida vai acabar, vamos morrer de fome.

Para isto não acontecer, acabei de formar uma tribo de feiticeiros e feiticeiras. Como a idéia foi minha, serei o chefe.

Vamos fazer o juramento, se contarmos para mais alguém nosso segredo, autorizamos alguém do grupo a nos matar. Feito o juramento falei:

- Vamos continuar o serviço dele, que nos ensinará tudo e praticaremos e dividiremos tudo que ganharmos.

De novo tomamos bebida e até brincamos entre nós.

Como o único homem do grupo era eu, saí na vantagem.

No outro dia à tarde o velho quis conversar.

- O primeiro truque que o vi fazer foi quando um guerreiro zombou de você. No mesmo dia ficou louco e morreu, como fez isto?

- Quando ele estava bebendo coloquei este pó na bebida dele.

- Que pó é este?

- Ah! É o pó da castanheira grande.

- Um pouquinho embebeda, mas se por bastante enlouquece e mata.

- Você já ganhou a comida e água de hoje.

Dei pouca comida ele queria mais. Só amanhã. Conversei com as mulheres e fizemos a experiência dos dois modos. Tínhamos uma hiena presa, pegamos outra e fizemos a experiência deu certo.

Fizemos mais pó e guardamos, pois já começávamos a ter nosso estoque próprio.

Dentro de uma semana, dez dias, havíamos aprendido muita coisa.

Eu namorava com minhas oito sócias, estava difícil, então fiz uma escala aí deu certo.

A coleira estava machucando o pescoço do velho então tiramos e colocamos no tornozelo. Com o tempo o tornozelo também começou a machucar então passei a amarrá-lo pela cintura. Eu sabia todos os truques para estragar a água e saúde das pessoas, não sabia como encontrar a água, ele não queria falar. Começo a uivar, cantar e a rir queria me impressionar parecendo louco. Falei para as mulheres:

- Ele é muito inteligente, está fingindo.

Um dia estava sentado em uma pedra, pois não tinha mais nada para aprender, estava irredutível, falei para ele:

- Eu ia matá-lo e vou, só que mudei de idéia, acho que vamos comer sua carne, aí ficamos com sua inteligência.

Ele olhou para mim querendo me furar com os olhos. Pedi minha vara, era um pedaço de madeira maciço, não bati, ele pegou uma pedra e desenhou uma bacia, em cima da bacia desenhou árvores, e pedras.

- Aqui, era um lago que foi coberto, de lava vulcânica, depois veio o pó da terra e a areia. O lago com o tempo ficou escondido embaixo da terra. Meu bisavô descobriu o tamanho exato do lago, ele furava poços para os outros, e viu uma maneira melhor de trabalhar. Conhecia ervas e plantas, fingiu-se de louco e foi para as montanhas. Houve uma grande seca e ele aproveitou disso, começou a apontar nunca errou.

O lago fica a cem passos da base da grande montanha, até a oitenta passos da grande pedra. Deste ponto ao outro, qualquer lugar que furar dá em água. Porém você pega as flechas deixa dormir no sereno, fica com elas três dias encostado no corpo, ou três dias embaixo d'água, ou qualquer coisa depois fala "é aqui". Eu uso a caveira e ossos é muito bom.

Dei-lhe bastante água e comida e tirei o cinto de couro de sua barriga.

Assim que se viu livre, ele correu e uma flecha.

- Agora você será meu cachorro, só que morrera de fome.

Ele ficou de quatro como cão muito tempo, deu câimbras, errou a flechada. Mas com a faca eu o acertei, morreu feliz.

Daí para frente, administrei a sabedoria das feiticeiras e fui muito famoso no meu tempo.

Enquanto elas se exibiam nas aldeias, com caveiras, ossos, e outros quetais, eu pesquisava ervas e fusões.

Conseguimos curar muita gente, as maldades, bem é fraqueza humana, então às vezes temos que fazer alguma demonstração de força.

Os filhos delas, também se tornaram ótimos curandeiros, no final não tinha mais nada para ensinar. Afastei-me, três quiseram vir comigo.

Hoje sou apenas curioso da natureza e faço pesquisas.

Meu laboratório é bem montado, e administrado por filhos e netos.

Realmente sabem fazer poções mágicas, e ajudam nosso povo.

Quando esta história foi impressa, o editor viajou, até a áfrica, para entrevistar o velho curandeiro.

Ele simplesmente sorria e não disse nada.

Tudo foi conseguido graças a um neto seu que também se negou a dizer o nome por respeito ao avô.

História verídica ou simplesmente fruto de uma imaginação fantasiosa.

Infelizmente não conseguiremos descobrir.

O curandeiro morreu, e ninguém se manifesta a respeito.

OripêMachado.

Oripê Machado
Enviado por Oripê Machado em 09/11/2011
Reeditado em 09/11/2011
Código do texto: T3325654
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