E fui trabalhar em um hospital
Trabalhei menos de dois meses no Primeiro Jornal – o primeiro jornal em que trabalhei. Nos últimos dias, eu já pensava seriamente em me demitir. Não por causa da violência que havia na região, e que saia nas páginas do jornal: principalmente por causa da violência que havia em mim – meus conflitos interiores. Eram eles que tornavam extremamente penosa a minha missão de abordar pessoas na rua para fazer enquetes – exigir isso de um tímido toda semana é demais. E como eu não estava ganhando nada, pensei em me demitir. Mas Deus me providenciou um emprego de verdade antes disso.
Aconteceu que o Hospital de Clínicas de Curitiba precisa de estagiários de jornalismo. E não só precisava como inclusive se dispunha a pagá-los. O processo de seleção para essa vaga é um dos meus pequenos orgulhos: não houve indicação nem favorecimento. Passei pela análise curricular, pelo teste prático e uma entrevista definitiva. Pois bem. Larguei então o Primeiro Jornal. E fui trabalhar em um hospital.
Até então, eu havia entrado poucas vezes em um deles. Operei uma hérnia ainda bebê, tirei as amídalas na infância, e fui intoxicado – eu e meus pais – por maionese estragada no mesmo ano. Também fui visitar meu pai quando ele retirou a vesícula. Em pleno Natal, porque não dava para esperar mais. E lembro ainda de uma visita a um tio que se acidentou de carro, em pleno aniversário da minha prima. Já agora corrijo o que disse: eu havia entrado várias vezes em um hospital. Um dia, morando em Santa Catarina, levamos meu avô para se consultar no mesmo Hospital de Clínicas que seria meu novo trabalho.
No começo, havia uma jornalista e dois estagiários. Depois a jornalista saiu e ficamos só nos dois. Fazíamos o trabalho de profissionais. Elaborávamos sozinhos o jornal interno, das matérias à diagramação – depois de impresso, ainda distribuíamos pelo hospital. Fazíamos releases e também atendíamos a imprensa – ocasiões em que pudemos descobrir como podem ser chatos os jornalistas. E também tirávamos fotos de visitas especiais aos doentes. Gente que se vestia de palhaço, de Papai Noel. E que doava brinquedos, sorrisos e algum esquecimento às crianças. Alguns ofereciam músicas. Eram pessoas de sensibilidade e me agradava poder acompanhá-los. Vi muitos pacientes se emocionando, chorando mesmo. Especialmente perto do Natal. Era bonito e triste.
E eu via o diretor do Hospital dizer a todos os jornalistas que era preciso que o governo abrisse um novo concurso público, porque o hospital precisava de mais gente, porque não estavam dando conta, porque estava faltando dinheiro – e dizia isso em todas as entrevistas, e sabia que muito dificilmente isso iria acontecer: se abrisse concurso público para um hospital universitário, o governo teria que abrir para todos os outros, porque todos querem as mesmas coisas, afinal. Devia ser frustrante estar no seu lugar.
Trabalhei lá exatamente um ano, até terminar o meu contrato – e concurso nenhum havia sido aberto até então. De tudo, ficou a certeza que todo mundo deveria ter a chance de trabalhar em hospital por algum tempo.