Ficar bem na fita
Dispomos um sistema interno de avaliação que nos informa quando uma fotografia ficou boa, apresentável e impactante. Há diversos tipos e situações nisto de fotografias. Há delas que nos causam desgosto, antipatia, sejam de nossa infância ou do período da adolescência. Eu já rasguei fotos. E por tantos motivos, mas o principal foi o de me achar ridícula sob o foco da objetiva. Quem guardaria essas fotos onde nos avaliamos e chegamos à conclusão de que somos feios? Tem fotos que nos surpreendem, são instantâneos dos quais nada esperávamos. E, de repente, eis que nos satisfazem tanto que gostaríamos de espalhá-los pela cidade, colocá-los em outdoors, em portas de cinemas, etc. Existem aquelas onde a paisagem rouba a cena. Fotos coloridas e outras em preto e branco. Fascinantes são estas últimas, elas têm o poder de reviver o passado quase que integralmente.
Tem aquelas pessoas que capricham tanto para ficar bem na foto e terminam como aquele ditado: O cão tanto endireitou a mãe que a colocou a perder. Antigamente, muitos, além de se produzirem elegantemente para a sessão de fotografias, ainda achando pouco, diziam: Espere, eu vou colocar perfume. Precisavam estar usando bonitos sapatos altos, mesmo para uma fotografia 3 x 4. Nesses tempos (quem possuía uma máquina fotográfica era um rei), quando as fotos estavam reveladas, havia que recortá-las até que ficassem arrumadinhas. Em seguida eram colocadas em álbuns de fotografias muito bonitos e solenes utilizando-se de cola ou ainda das cantoneiras que prendiam as fotos que seriam orgulhosamente apresentadas aos amigos e familiares enquanto se tomava um cafezinho ou um licor. O café era servido em porcelana com motivos dourados e o licor em tacinhas retiradas de dentro da dona da sala, a cristaleira.
Sentados em círculo, um mostrava, outro puxava o álbum para ver melhor e todos expressavam o que sentiam vendo a foto. Dizia o dono das fotografias: olhe esta na casa do meu tio, e esta na praça, e esta na escola, e esta não sei mais onde. A turma dizia: gostei, que bonito, que lindo, maravilhoso, gostei mais desta (e sempre gostavam mais do que gostávamos menos e menos do que gostávamos mais). Havia momentos de alguma frustração nessa demonstração de fotos de família. Acredita o leitor que até nisto tinha ladrão? Sim, algumas fotos sumiam misteriosamente e só nos dávamos conta passados muitos anos.
Acontece de tudo com álbuns de fotografias. Podem se esconder pela casa. Gostam de se molhar nas pingueiras, de entortar sob a luz do sol, de soltar a cola e deixar alguma fotografia esconder-se em um cantinho insuspeito. Parece mesmo que os álbuns têm parte da energia dos que estão nas fotos.
Um belo dia a gente se senta e decreta a morte do velho álbum. Perdeu todo aquele charme, envelheceu, se estragou, agora mete vergonha na família, os filhos dizem: quem é esta? Que horror! Esconda isto, mãe. Que roupa feia. Que sapato terrível. Que ridículo tudo isto. Aí, a gente chora escondidinha. Logo aquela foto onde me achava tão linda, aquela dos meus quinze anos. Dá vontade de morrer. Mas, no que estive mesmo pensando, além disto, foi sobre a possibilidade de o mesmo acontecer com estes textos que escrevo.
Estância/SE, 6 de nobembro de 2011