“A Carriola”

Naquela época, eu deveria ter entre oito e nove anos. Minha cobaia, quero dizer meu irmão entre seis e sete. Foi uma época difícil onde pouquíssimas crianças tinham brinquedos, brinquedos comprados, pois a necessidade faz o gênio... Eu pegava um aro de ferro e com um pedaço de pau, que era o carro oficial, os lábios até adormeciam para produzir o ronco do motor. Quando achava um pneu velho então, era um tesouro. Certa vez achei um tipo de carroça de quatro rodas que nomeei carriola. Para colocá-la em uso tive que pedir a colaboração de vizinhos, pois ferramentas de meu pai, nem pensar. Finalmente a carriola ficou pronta, com mais remendos que pneu de bicicleta de pobre, ou soldado que voltou da guerra, mas andava. Para piloto resolvi dar a honra a meu irmão. A direção era controlada por cordas e cada uma dava a direção à esquerda, ou direita, o freio era um pedaço de madeira, que pressionava as rodas traseiras fazendo a carriola diminuir e até parar. Em terreno plano, funcionava maravilhosamente, meu irmão até que era bom piloto, não era medroso mas digamos que era um tanto cauteloso, prudente. Eu empurrava a carriola e quando deslanchava, pulava dentro de carona. Quis o destino que fossemos em direção a um aterro com uma ladeira considerável. Meu irmão deu uma amarelada, mas graças aos meus elogios, resolveu tentar a sorte. No começo da ladeira, a carriola deslizou como um tapete mágico, até meu irmão gritava: "Bravo!", tinha perdido o medo, mas a viatura pegou o embalo e começou a correr. Caí na verdade. Só sei que pulei e rolei pela terra um bom pedaço. Quando consegui visualizar a cena, que era hilária mas de final trágico, pareceu um filme. Meu irmão ganhou conceito comigo, pois tentava frear de todo jeito, só que a madeira de nada valia e as rodas faziam a carriola virar uma carruagem de fogo. Após uma célere corrida de mais de duzentos metros, chocou-se contra uma enorme árvore Fícus. Dessa aventura meu irmão parecia um faquir, com a cabeça toda enfaixada, um olho roxo, escoriações por todo corpo e perdeu dois dentes da frente, que por sorte recuperou pois eram de leite. Eu, embora não tenha me machucado, fiquei alguns dias sem poder sentar porque a cinta de papai era grossa, e doía barbaridade. Pensei com meus botões: "Vou trabalhar, ficar rico e faço outra carriola." Também neste dia vi meu pai usar a caixa de ferramentas. Fez de nossa viatura já quebrada um monte de madeira que serviu de lenha por algum tempo. Agora depois de alguns anos, tenho a possibilidade de fabricar outra carriola, digo viatura, o problema é arrumar um piloto, a molecada de hoje é muito covarde! E perdeu o espírito de aventura... Meu irmão não ficou com raiva, "foi acidente" disse ele, e eu, que já o admirava, a partir daquele dia, o considerei além de amigo, um valente!

Esta pequena história de meu passado foi dada uma esticadinha ali, uma cortadinha aqui, mas é verdadeira. É que minha memória anda falhando e um pouco fraca ultimamente. Talvez tenha esquecido de algo.

Meu irmão, embora menor que eu, sempre me deu exemplo de vida. Até hoje admiro sua fé, sua honestidade, e seu caráter.

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Oripê Machado
Enviado por Oripê Machado em 06/11/2011
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