Acredite, tampas existem

É fantástico como em cidades muito pequenas cada habitante serve de exemplo para uma situação específica. Quando queremos nos referir a uma pessoa que dirige muito devagar, avesso à velocidade, nos lembramos imediatamente do dentista: Olha, Fulano “guia” mais devagar que o dr Clóvis ; o mesmo vale para aquela mulher que tem um péssimo gosto para se vestir: Você viu ontem no baile? A Valdete estava vestindo uma roupa, que parece ter sido copiada da Gertrude.

Os exemplos não terminam nunca, o médico tinha um repertório imenso de piadas chatas; a esposa do mecânico era conhecida pela sua falta de pudor nas paqueras; a mulher do vice-prefeito adorava pequenos furtos nos mercados; a mulher do taxista adorava tocar piano em todas as reuniões, ainda que seus predicados musicais fossem limitadíssimos.

Um ícone para cada contexto, um símbolo para ilustrar tudo o que era citado; afinal é melhor um bom exemplo do que mil palavras.

As duas irmãs balzaquianas (ainda que essas fossem Mulheres com muito mais de Trinta Anos), donas do sacolão de frutas e legumes, eram exemplos das solteironas, literalmente uma, ou duas, lendas vivas; eram velhas, feias, chatas e cuspiam quando falavam. Mais de uma vez houve reclamações de ambas na Vigilância Sanitária, frutas e legumes carimbados com pequenas gotículas salivares.

A velha máxima (e não estou me referindo a nenhuma das duas) de que não existe panela sem tampa estava ruindo, há mais de meio século as matronas contrariavam a regra.

Não ouvi trombetas, o sino da matriz não repicou, a pequena emissora local não divulgou o evento, a proliferação do acontecimento se deu Tête-à-tête, a mais velha das duas, se é que é possível uma ser mais velha, sem mudar o milênio, havia ficado noiva de um estranho

O feito alegrou toda a família daquelas figuras emblemáticas; a surpresa foi tamanha, que todos se puseram a rir de felicidade; afinal não se podia almejar um marido para cada uma; decididamente não há tampas para cada panela e as avarias mentais da senhorinha que sobrou, não lhe permitiam avaliar ou reclamar da injustiça na hora da distribuição de tampas.

As duas tinham a mesma idade da pequena cidade, rumores afirmam que elas foram fundadoras daquele local, mas nada nunca foi comprovado, sendo assim, eras glaciais foram gastas para se montar exemplo de celibato e um estranho, de quem a população mal sabe o nome, arruína os brasões locais.

Existe sim uma outra anciã solteira que poderia assumir a simbologia então quebrada, mas, muito consciente e lúcida já preveniu que não aceita seu “santo” nome ser tomado em vão

Roberto Chaim
Enviado por Roberto Chaim em 06/11/2011
Reeditado em 07/11/2011
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