O FEIO

O FEIO. *

Dia 22 de abril de 1985, às 5,40 horas passageiros aguardavam o onibus das 6,00 horas que saía do ponto inicial em frente ao Esquinão e então uma pessoa deu a noticia de que o presidente eleito Tancredo Neves havia morrido e por isso fora decretado feriado nacional. Houve um ajuntamento de pessoas consternadas e entre elas estava uma mulher jovem e maltratada pela vida conhecida por Dóca. Ali a conheci e aos poucos fui sabendo sua historia de vida. Foi mãe ainda muito jovem, não teve apoio de ninguém, acabou tendo mais dois filhos de pais diferentes e veio parar em Jarinu junto com as primeiras levas de migrantes. Com a vida desestruturada não pode dar um lar aos filhos e não demorou os dois mais velhos revelaram má índole e o caçula era muito feio. Tão logo chegaram à adolescência os dois filhos da Doca aterrorizavam a vizinhança enquanto o feio era muito correto cheio de sonhos e amoroso. No entanto quanto mais os irmãos furtavam e aprontavam mais o preconceito atingia o mais novo por ser feio e embora fosse inocente era filho da Doca e não tinha como escapar da intolerância. Vi o rapaz crescer, chegar à juventude sempre sozinho, tratava todos com respeito, tentava fazer amigos, queria ter uma vida normal, queria ser feliz mas nossa sociedade não o aceitava pelos dois motivos, feio demais e ainda por cima filho da Dóca. A situação vivida pelo moço me comovia, eu queria ajudar de alguma forma e fiquei pensando o porquê de um destino com uma cruz tão pesada . O leão com seus braços fortes e garras potentes é o rei da floresta, a cobra no entanto nem braço tem e se vira muito bem, tem lá seu veneno, já o passarinho não tem o poder do leão nem o veneno das cobras, porem é leve e rápido e se defende por esse lado, isso significa que Deus sempre deixa um meio da pessoa se defender e ninguém jamais está totalmente desamparado. Sei disso, mas uma vez o feio estava na praça e se encantou com uma criança que corria de um lado para outro, dava para perceber sua vontade de abraçar e brincar com o menino, mas quando fez menção disso o pai da criança impediu segurando a criança e pela reação do feio senti seu drama e me questionei qual seria sua defesa, o que Deus teria lhe dado como meio de sobrevivência, pois ser rejeitado socialmente com tanta intensidade é humanamente insuportável. Naquele momento ele me olhou, percebeu minha comoção e se retirou, desapareceu da praça, sumiu de Jarinu.

Confesso que sumiu também das minhas lembranças, até que numa noite na primeira Festa da Ameixa o avistei, a principio não o reconheci, estava mudado, até mais bonito, com uma beleza nascida certamente na felicidade. O feio estava com a mulher e um casal de filhos, uma bonita família e quando ele me avistou pegou os filhos pelas mãos e ficou ao lado da esposa de frente para mim a uns dez metros de distancia. Me olhou nos olhos por segundos e se retirou, sem que ninguém percebesse o seu recado pois apenas ele e eu poderíamos entender. Naquele breve instante através de seu ato ele me disse “amigo, sei que se preocupava comigo, fique na boa eu venci”. Daquela data em diante nunca mais vi o feio e hoje gostaria de saber qual a qualidade que recebeu para superar o drama de ser rejeitado e não se revoltar contra uma sociedade intolerante. Não consigo imaginar, mas espero um dia saber.

DANILOS

danilos
Enviado por danilos em 06/11/2011
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