Pobre circo pobre
A pequena caravana mambembe chegou ao meu bairro e, em dois ou três dias, em um terreno baldio erguia-se a lona do circo. Para estreia, um fusca antigo, com modesto serviço de alto-falantes, anunciava o espetáculo imperdível a um precinho muito convidativo. Por dois reais assistia-se a quase duas horas de circo.
Quem olhasse aquela lona pobre, aquela bilheteria em que uma moça loira com uma criança nos braços atendia o respeitável público, aquela entrada guarnecida pelo palhaço, humildemente trajado, ainda não a caráter (depois é que se descobriria que o porteiro era o palhaço), certamente pouco poderia esperar da apresentação.
Entrei, com meus sobrinhos pequenos e poucas esperanças, assim como os amigos que lá encontrei, conduzindo a garotada ávida de diversão.
Empoleirei-me numa daquelas tábuas apenas sobreposta à haste de metal e me preparei para a generosidade dos aplausos.
Enquanto assistia ao número de malabarismo, pude ver que algumas cordas, certamente as que seriam usadas pelos trapezistas, estavam emendadas. Isso me preocupou, pois, em uma eventual queda, o artista poderia atingir um de nós. Sugeri a alguns amigos que as crianças ficassem nos lugares mais altos, distanciando-se do perigo que os artistas ofereciam.
O malabarista, para minha surpresa, se saiu maravilhosamente bem e recebeu calorosos aplausos. Depois é que descobri que ele era também o porteiro, que seria também o palhaço e até participaria do número do trapézio. Mas onde ele se superou mesmo foi como palhaço, nos fazendo soltar o riso com um número de humor muito engraçado. O palhaço ainda protagonizou outra cena humorística, contracenando com a moça loira, aquela da bilheteria, e com os dois trapezistas, àquela altura transformados em atores coadjuvantes.
A moça loira também se desdobrou; além de atriz, preparou o algodão-doce da criançada e ainda fez uma dança aérea numa daquelas cordas que preocupariam o observador menos exigente. Aliás, toda a estrutura do circo era muito humilde, muito pobre, e era bonito e emocionante ver a garra daqueles artistas populares para ganhar a vida nos divertindo. Por um momento viajei pela plateia e contei os presentes, que proporcionariam uma féria de pouco mais de cem reais. Me pego fazendo contas e vejo que eles ganhariam tão pouco para nos divertir, correndo riscos, muitos riscos naquele picadeiro de terra, protegido por pedaços de plástico esburacados e sujos.
Felizmente, não foram muitos os números de trapézio; acredito que eles mesmos, além de não muito preparados para o espetáculo de voos ainda que pequenos (um deles era bem gordinho!), não confiavam nas condições do circo.
Na saída, não me furtei a um cumprimento a dois dos artistas que se despediam de nós.
- Obrigado o senhor por ter vindo, disse um deles.
Nós todos é que devíamos agradecer. Eu particularmente me flagrei refletindo muito no idealismo que devia ser tocar um empreendimento daqueles. É certo que havia muito de necessidade, pois eram pobres e viviam do circo. Eles tinham talento, mas não tinham incentivo, não tinham patrocínio. Mereciam ser amparados, pois levavam o divertimento e, assim, estavam afastando as crianças de tanta forma de delinquência. Mas com aquela féria! Se fosse sempre assim, como fariam?
Soube depois que durante a temporada houve alguns dias em que o circo se encheu, mas o bilhete estava pela metade do preço.
Algum tempo depois, foram tentar outro público, em outro bairro, em outro terreno baldio. Só deu tempo para uma apresentação. À noite, uma tempestade destruiu a lona, jogou toda a estrutura no chão e fez ruir um sonho de sobrevivência com a alegria de um circo pobre.