Um cão
Sento-me por sobre a rede
Colocada na varanda, donde não há mágoas
Após uma longa estada em meu quarto
Depois de atracar-me com meus estrovos
Dado a vertigem que me acomete
Peguei-me a ver o meu cão, sujo, molhado
fidedigno de meu carinho
Alheado, ao mal cheiro, amarrado ao quintal
Sua morada, velha, com uns restos de sarrafos
Que sobrou-me após um caixote quebrado
Tido em seus instintos, deparei-me a me perguntar:
Caso pudesse dizer-me algo, queixarias deste estado?
De certo que tendo, pouco, sendo amigo, ainda que sujo
Ao quintal, comendo apenas a ração que lhe é propícia
Talvez não de toda propícia, mas que lhe é dada.
Lembro-me que ao pega-lo, ainda pequeno,
Jurei cuida-lo, pois tomei-o ainda a mamar
Na cadela, sua mãe,
Ao inicio, choravas num sem termo
Em desafeto, por isso, movido de um esto
Batia-lhe, olhava-o enfurecido,
Não me inquietava com tal ausência
Ou carencia de afeto.
Deprezei-o por várias vezes
a pensar em tudo que me cercava
E por almejar, por vezes, em lampejos,
Ter um pouco á mais
que esta sofrível vida oferece,
talvez Ter um amigo renomado, com contatos,
á me proporcionar luxúrias,
Talvez com um carro importado, ou apenas um amor,
uma maldita, mas apenas uma.
Assustei-me ao tornar a varanda
Deparei-me comigo mesmo ao perceber
Que por momentos, fiz-me cão
Dado as migalhas, que por pena,
Um dia jogaram,empardeceu-me
Com promessas, instigadas por um dono "amor"
Ou cuidado, que ao me ver afagado, tomaram-me
Percebi o quão mediócre sou
Dado a alimentar-me do proprio vômito
Que tendo desprezo
A balançar o rabo,
Pelo carinho que me negam..
A viver daquilo, que há tempos
Já foi de todo esquecido, malogrado.
Tangindo as pulgas lembranças que me sugam
Percebi o que ao meu-eu cão foi dado
Um companheiro nas horas que se deseja
Abjecto, na horas que não se carece.
Talvez seja essa a sina.
Um cão, que sendo chamado de "amigo"
Jamais se tornaria companheiro...
Um cão,
Pobre cão.