Reencontro
Encontrei um amigo que há muito não via, na verdade ele encontrou-me, sentado num boteco lá pelas dez da manhã, com um caderno aberto, uma caneta sobre ele, e uma garrafa de cerveja pela metade na mesa. Balança a cabeça dum lado para o outro em leve desaprovação:
-Como você consegue beber essa hora?
-O processo é basicamente o mesmo a qualquer hora do dia.
Novamente seu rosto vai de um lado para o outro e um irritante “tsk tsk” escapa de seus lábios.
-Não tá trabalhando não?
-Tô sim, acabei cedo hoje e to celebrando.
-Puta que pariu hein? Tá fazendo o que?
-Cê é minha nega agora?
Ele ri.
-Você não muda né?
-Em time que está ganhando não se mexe.
-E tá ganhando mesmo?
-Na verdade, não. Mas tem que se ter a decência, e a noção de que se já mexeu e continua perdendo, o negócio é largar mão e deixar tudo como está. E você, continua naquela veadagem de administração?
Mesmo não apreciando muito meu comentário sorri e responde, com ar vingativo:
-Sim, me formei, to num escritório tirando dois pau por mês.
-Ainda bem que não são três.
-Hein?
-Se fossem você não ia ter onde enfiar todos – sorrio maroto.
Não ser antes rir ele responde:
-É, você não muda.
-Mentira, a barriga cresce. Em qual escritório?
-Ah, num ali no centro.
Fica claro que não quer que eu saiba qual é, seja lá qual for o motivo não insisto, mudo o rumo da conversa:
-E o senhor ainda me deve uma bera!
-É?
-Uhum, desde meu aniversário seu cretino.
-É verdade!
Vejo-o começar a dizer algo enquanto leva a mão até o bolso, interrompo-o antes que faça algo que me obrigue a socá-lo:
-Final de semana que vem?
Pergunto sabendo que ele concordará, eu fingirei que acredito, e tendo a certeza de que nos veremos, com sorte, daqui outro tanto de tempo, quem sabe. Como previsto, ele responde:
-Certeza, já faz um tempão – afasta disfarçadamente a mão do bolso – só combinar direito. É aquela lá que você tinha comentado? – aponta o caderno na mesa.
-Não, esse é outro, outra coisa.
-O que você tinha me dito que ia rolar ano passado não vingou então?
A satisfação em seu rosto faz-me querer fazê-lo engolir todos os dentes e cagar uma dentadura, reprimindo este impulso digo-lhe:
-Só pra variar.
-E esse, é certo?
-Tão certo quanto apostar no resultado dum teste de HIV.
Meio enojado ele responde:
-Tomara que dê certo.
Primeiro comentário imbuído de sinceridade que recebo do cara, fico feliz.
-Tomara.
-Tem falado com o pessoal?
-Tanto quanto contigo.
-Foda né?
-É, mas é o jeito da natureza nos mostrar que amizades, especialmente as adolescentes, não foram feitar pra durar. No máximo relembrar vez ou outra.
-Ah, não é bem assim. E aqueles que organizam encontros com o povo e tudo mais?
-Só fazem isso porque se acreditam melhores que os outros e assim conseguem mostrar isto para eles.
Mudando de um assunto desconfortável para outro, que não sabia que seria, meu antigo amigo diz:
-Cacete, olha lá o tiozinho tomando pinga essas horas!
-É, esse povo que bebe cachaça cedo – aponto para o copinho meio escondido ao lado da minha garrafa de cerveja – é foda.
Meio desprovido de graça:
-Caralho piá.
-Só para manter a forma – pisco um olho.
Ele olha para o nada, coça a nuca, troca o peso dum pé para o outro procurando palavras que o livrem da enrascada de ter-me encontrado. Divirto-me por um minuto com sua aflição antes de liberá-lo:
-Minha cerveja tá esquentando.
-Ah, e eu tenho que almoçar e voltar pro escritório –diz sem disfarçar muito o alívio.
-Beleza, bom te ver cara.
-Verdade, semana que vem né?
-Claro.
“Mais fácil eu virar o próximo papa”, penso enquanto ele se vai à passos largos, sento novamente à mesa, peço outra e brindo sozinho às boas amizades.