Impactos  que às vezes me emudecem      


                        

 
                        O menino, recém-chegado ao mundo, com seus oito para nove anos não tem muita noção das razões, dos motivos, das circunstâncias  da vida. Vê tudo de maneira muito confusa.
                        Posso dizer que a criança vive mesmo é o presente. Ela vai vendo os acontecimentos,  sem entender direito,  sem assimilar o que está acontecendo. Acho que é por isso que o sermão não resolve nada. Se não resolve para o adulto desatento, imagine uma criança como eu era. Além de criança, desatento! Aí,  já viu, né? O dia seguinte, era um dia virgem, o passado não existia, sumia  da minha cabeça. Como era bom isso!
                        Talvez seja essa a razão porque  era expulso da sala de aula quase  todos os dias.   
                        Já nascido sem muita  memória, todo dia fazia a mesma bagunça. Resultado: expulso de sala. Aguardava o término da aula num comprido corredor, onde já se encontravam  outros alunos  arruaceiros, todos em fila indiana. Na frente da fila, em cima de um banquinho, o Pe. Almir, com seus dois metros de altura. Altíssimo e muito magro. As primeiras impressões é que ficam.  Nessa época as figuras marcantes eram todas magras. Não me lembro dos gordos. Apareceram depois, bem depois.                            Talvez seja por isso que, na vida adulta,  passasse a admirar as moças magras, ou as chamadas “falsas” magras. Hoje, na minha "alta" maturidade, gosto também dos adoráveis gordinhos e gordinhas.
                        Mas como eu ia dizendo, eu continuava a bagunçar na fila indiana. Aliás, eu só, não!  Os moleques todos que estavam na fila, que ia aumentando,  na medida que o tempo passava. De repente, a fila começava a se mexer, era um zig-zag danado! Era um tal de futucar a bunda do colega da frente, que a fila desandava de vez.
                        Era nessa hora que o Pe. Almir desesperava e  vinha furioso pra cima de mim, que acabara de futucar o colega da frente, me pegando pelos ombros, me sacudindo sem parar e gritando: “fica quieto, meu amiguinho, fica quieto, meu amiguinho!! Fica quieto, meu amiguinho!!!”
                        Esse castigo da fila, que me divertia muito, tinha depois um prosseguimento.
                        Às cinco da tarde, os alunos voltavam para a casa, menos a turma da fila.
                        Os bagunceiros ficavam sem saída e eram direcionados para um grande salão, onde deveriam escrever, em papel almaço,   mil vezes a seguinte frase: “não devo fazer bagunça em aula”.
                        Às sete da noite, a Direção do Colégio Santo Antonio Maria Zaccaria era obrigada  a nos mandar pra casa, com o aviso  de no dia seguinte entregar as mil frases, que nunca conseguíamos completar no grande salão. Devo dizer que descobri um ardil maravilhoso: usava papel carbono nas folhas do meio para o fim. Devo dizer que a história é um pouco antiga... A minha boa leitora deve estar se perguntando: - E a sua mãe? - mamãe se conformou logo com as diabruras do filho!
                        Amigo leitor, amiga leitora, nem sei por que contei essa história das bagunças,  eu queria mesmo era contar sobre dois acidentes que vi nesta idade e que jamais saíram da minha cabeça.
                        Depois eu vejo se dá pra relacionar minhas bagunças com os acidentes, pra poder terminar numa boa esta crônica, sem bagunçar muito a cabeça dos meus leitores.
                        É possível que tenha sido num desses dias em que fiquei sem saída que testemunhei, junto com um coleguinha      que morava no mesmo prédio que eu, um terrível acidente.
                        No último andar do prédio, décimo primeiro, havia a Casa de Máquinas dos elevadores.  A porta estava aberta.  Eu e o coleguinha vimos pela primeira vez enormes rodas que faziam os elevadores subirem ou descerem. Ficamos sentados no último degrau da escada, bem em frente à Casa de Máquinas.  Dois operários trabalhavam, consertavam alguma coisa nestas grandes rodas, imensas, mesmo! Um deles, sentado numa plataforma onde estava uma das rodas, com a perna displicentemente esticada. O outro operário, de costas para o companheiro, examinava uma outra roda. De repente, eu e o colega vimos, estarrecidos, não sei como, a perna do operário sendo triturada pela grande roda. A dor parecia tão intensa que o cara não soltou um grito sequer.  Alguém acionou lá embaixo o elevador e a roda começou a girar, pegando a perna do moço. Quisemos gritar e a nossa voz também não saiu, ficamos mudos, de pavor. Levou uma eternidade para o outro companheiro se voltar para trás e ver o acidente, quando correu para a chave geral e paralisou a roda.
                        Saí mudo da escada, junto com meu colega. Algum tempo depois ouvimos a sirene da ambulância e o operário sendo carregado e encaminhado para o hospital.
                        Nunca soube qual o fim dessa história.
                        No dia seguinte, lá no Colégio, vivendo apenas o presente, assisto a um jogo de futebol dos meninos do científico. O Zaccaria tinha um campo de futebol quase do tamanho do campo do Fluminense. O jogo era Zaccaria versus São Bento, colégio rival.  Cinco minutos de jogo e o nosso goleiro, fazendo uma defesa difícil, dá um grito e fica estirado no chão, após um estalo de osso,  que ouvi perfeitamente. Vejo a ambulância chegando e levando o jogador com fratura exposta do braço. Antes que o leitor pergunte:  sim, fiquei mudo de novo!       
                        Pois é, amigos, a infância é realmente, marcante. Nas vezes em que sofri algum impacto maior, minha primeira reação era  ficar mudo. Felizmente, a voz sempre voltou e sempre pude fazer minhas sagradas bagunças, mas inocentes, acreditem...
                        Desta vez, não consegui fazer a conexão do que contei no início com os acidentes. Sofro um impacto com meus leitores, o que fazer? Dou alguma justificativa?
                        Simplesmente, EMUDEÇO!