Democracia paleontológica
Povo. Se você vier caminhando na orla marinha e encontrar um objeto exótico como uma “pinça de caranguejo” enrijecida pelo calcário, terá a inclinação quase irracional de mandar “e-mail” para a Sociedade Brasileira de Paleontologia.
Você espera que a Sociedade o receba com alegria. Jamais com “artigo de lei, provando que ninguém deve “sequer” levantar o objeto”, sendo melhor esclarecer o ponto exato do achado. Portanto: Oceano Atlântico, Praia do Hermenegildo. Bem em frente à imagem de Iemanjá, após a ressaca marinha, lua cheia, dois de fevereiro. O satélite deve ter as imagens.
Pois o homem superior encontra ao acaso muito dos objetos que a humanidade vislumbra. Nunca espera ser tratado com a lei na cara sobre a suposição do achado. Mas vejam! Ele assim é encaminhado a ignorar com mais sutileza. É sempre assim de onde emergem enganos.
A lei reza: “Guardar fósseis é crime!”. Mas esperem! Foi o destino quem colocou nas mãos desse homem o fóssil desconhecido. Aquele carinha que estudou mil doutorados e nunca achou senão ossos catalogados lhe têm ganas. Já este senhor do mar nunca estudou, apenas cambaleou os pés esquecidos pela orla, chapinhando na água do atlântico até pisar em cima de pinça exótica de caranguejo enrijecido. Independente de canudo certificado a sorte lhe sorriu até a sociedade ficar sabendo e pasmem: por ele mesmo. O que parece traduzir a total e tola raiva uivante paleontológica, aquela que avança para os facismos azarados a exemplo do barco de Nero.
Como puderam tornar o pobre homem humilde em acidente paleontológico passivo de crime. Os amigos cínicos haverão de bestificar o Pederneiras: portador de ilícito paleontológico. Tem um museu em casa. Sujeito pacato, desses de feira, pobre criatura domingueira que vai e procura tesouros nos seixos marinhos. Para a lei ele será agora criminoso pelo artigo cem... Incisivo tal. Passivo de ser flagrado em casa com material arqueológico. Que coisa horrível a arqueologia natural de cada um! Criminoso por seguir a terapia milenar do hábito de catar, próximos aos pés nus seixos e cintilâncias. Nesse dia sequer distinguiu aquela pinça de caranguejo com chiclete de um osso petrificado condignamente. Tomou a combinação por fóssil raríssimo. Comunicou a Sociedade Paleontológica. Devia ter ligado para o médico.
Deixarei claro que Pederneiras jamais enviou foto a Sociedade. Ele apenas citou o fato para a Sociedade que o rechaçou para maior esclarecimento recebendo a patada criminal da lei como aborrecimento e água fria a sua veia comum de sujeito transcendental. Como se devesse saber imperialmente que é melhor jamais recolher um achado arqueológico ocasional. Deve-se chamar o primeiro mané credenciado no caso de morar na ilha. No caso longe demais do Hermenegildo. A lei explicitada é rigorosa. Digamos que aquela patinha de caraguejo descartada na praia, grudada num chiclete verde fosse mesmo à pinça petrificada de um raríssimo caranguejo martelo? Diria que o senhor Pederneiras apenas errou em tudo para ser correto; assim se sentirá melhor pelos excessos dos fatos, até alcançar a compreensão das leis supressoras do seu direito. Direito de encontrar ocasionalmente algo de real valor. Julgou melhor ser aquela matéria seca ocorrência rara no seio das altas especulações e foi erro fatal. O tempo das descobertas está reservado por decreto aos especialistas do precioso passado remoto na área da paleontologia esquipática. Pederneiras estaria ou não procurando meios para se tornar diferenciado? Creio que não. Homem simples, mesmo sabendo que em sendo simples é sempre desejoso de sucesso. Os jornais todos acorreriam. A imprensa e o povo aos brados pela rua: O Senhor Pederneiras encontrou um fóssil! … Marinho. Fóssil.
A resposta foi uma cópia da lei que lhe prevenia cuidado ao momento mágico, muito cuidado. Cuidado em x vermelho bem no centro do homem que julgava ser importante considerar em igualdade o mesmo direito de fuçar o passado remoto como qualquer outro. Direito inato para descobrir um pouco mais de luz no pleno gozo do acaso vagando pela praia. O senhor Pederneiras recebe de fato um esclarecimento que soa rápido como ameaça do tipo constitucionalista robótico. Sem contar algo de ridículo na possível experiência de abandonar o achado na imensidão da costa marinha.