Só sei que não corro mais!

Vejo meu ônibus na esquina, começo a correr! E isso é raro. Geralmente sou a preguiçosa que prefere andar, com um quê de resignada, e esperar calmamente a próxima condução, a ter que acelerar meu passos. Mas, desta vez, meu estômago está se devorando de tanta fome e meu maior sonho é simplesmente chegar em casa e comer.

Então, visto minha melhor carapuça de atleta e vou, como que na velocidade da luz – na minha imaginação – para chegar ao ponto de ônibus a tempo. Deu certo! O preço que pago é estar suando como uma peregrina no deserto, agora. Até porque não está muito frio hoje e percebo que exagerei sem motivo nos agasalhos.

Digo oi para o motorista, me apresso para achar um lugar vazio e sento. Não bastasse minha maratona de 10 metros, o ônibus parece estar com o aquecedor no máximo, logo, já chego me despindo. Tiro a primeira jaqueta, abro o zíper da outra e exibo um decote humilde. Ajeito o cabelo e me abano um pouco.

Observo as pessoas ao meu redor para desvendar se há ladrões em potencial no meio – algo que a vida no Rio de Janeiro me ensinou. Acho dois esquisitos e decido esconder meu anel de noivado, a única coisa em mim que vale algum dinheiro. É quando um dos suspeitos do meu lado ri. Ignoro e simplesmente abro meu livro, o melhor escudo entre mim e pessoas super sociais que adoram puxar papo.

Dois minutos depois, sinto uma respiração no meu cangote! Minha mente só pensa: What...the... Fuck?! O risonho assassino está quase sentando no meu colo, tentando ler meu drama junto comigo. Ele fala algo que eu não entendo e se afasta. Depois volta e comenta: “Os arrependidos. Porque você está lendo um livro com esse nome? Você quer penitência? Eu tenho um monte de pecados da carne. Mas uma rainha como você... uh... o que tem para esconder?”

É um blablabla que não para, falado em bafo intenso de cigarro e um tom malicioso de quem se considera o conquistador. E o cara é louco o suficiente para achar que tirar meus casacos e esconder o anel eram meu jogo de sedução. É o estopim para meu pânico. Respondo o mínimo possível, com uma educação razoável, sem jamais tirar os olhos do livro. Já nem penso mais em comida. Meu sonho agora é não ativar o psicopata rejeitado, estuprador, ladrão no comportamento desse homem.

Até que ele puxa a cordinha. Fala que vai descer na próxima parada. Tento não respirar muito aliviada. Se eu fizer isso, capaz de ele concluir que estufar meu peito de ar é meu sinal para o coito. O cara respira no meu cangote de novo e diz que vai sofrer se nunca mais me encontrar na vida. Tenta me entregar um papel com o número do telefone, mas respondo “não, obrigada”, com o sorriso torto.

Cheguei em casa quize minutos antes que o normal, porém, frustrada. Correr apenas me trouxe suor, cantadas baratas e uma corrente de pensamentos neuróticos que sempre terminavam comigo virando história para policial.

Nas próximas oportunidades volto a minha rotina, sem dúvida! Caminhar com calma tem me trazido histórias mais felizes.