Perguntava sobre a violência

Não sei se já falei que me tornei jornalista praticamente por recomendação médica. O Doutor Tomazini – esse era o meu ortopedista – olhou para o raio X da minha coluna e sentenciou gravemente: “Você trate de estudar. Nada de trabalho pesado”. Eu devia ter uns quinze anos na época, e se tinha uma coisa que eu sabia era que não queria trabalhar pesado – já por aquela época eu andava metido a escrever versos e outros textos de gente que não gosta de trabalhar. Mas a partir de então eu passava a ter um respaldo médico para isso. A minha coluna impedia o trabalho pesado. Vamos, pois, ao jornalismo.

Na faculdade, tive um professor que escolheu a sua profissão na fila de inscrição para o vestibular. “Você acha que eu tenho cara de quê?”, perguntou à atendente. E foi um dos melhores professores que tive. Era daqueles repórteres capazes de se vestir de mendigo só para confirmar se a prefeitura realmente dava um jeito neles. Já falei desse professor antes: era aquele militante ateu, que criticava o relativismo, que me emprestou sua mãe em Ponta Grossa, e que achava que eu iria trabalhar no Washington Post.

Bom. Mas o primeiro jornal que eu trabalhei se chamava, por simples redundância, Primeiro Jornal. Consegui esse estágio no terceiro ano da faculdade. Toda semana meu pai ligava lá para casa e perguntava: “E emprego? Conseguiu algum já?”. E eu nunca havia conseguido nada. Mas então surgiu o Primeiro Jornal, oferecendo algo que era muito parecido com um emprego – e só não chegava a ser um porque não havia salário.

Isto é, havia o vale-transporte. E a experiência – até então, eu não tinha nenhuma. Resolvi aceitar. Meu primeiro emprego. O jornal ficava em Colombo, na região metropolitana de Curitiba. A redação se resumia ao jornalista-chefe e ao estagiário – ou seja, eu. Tinha pouco mais de três meses de existência, o jornal. O foco principal eram as matérias policiais, a verdadeira paixão do jornalista-chefe. Corpos saiam nas capas – não saiam expostos, mas nem por isso deixavam de ser corpos. Estávamos próximos a um ponto de tráfico de drogas, onde quase toda semana alguém virada pó – o que não parecia assustar o jornalista, mas digamos que chegava a incomodar o seu estagiário.

Mas eu mesmo, não fazia matérias sobre isso. Meu trabalho era apenas reescrever matéria da Internet sobre saúde, economia ou mundo. E fazia também as enquetes: consistia em arrancar da população uma frase interessante sobre um assunto qualquer, e publicá-la no jornal ao lado de uma foto do autor. E como havia muita violência na região, em geral eu precisava perguntar sobre ela. “Você acha que a violência está aumentando?”. “Como o problema da violência pode ser resolvido?”. “Você tem medo de sair de casa?”. Coisas assim. Muitas pessoas respondiam, mas outras recuavam com medo de sair em jornal.

E houve um homem. Magro, muito magro. Cara engraçada. Trabalhava numa estofaria. Pedi a ele uma declaração sobre a violência no bairro. Ele disse o mesmo que todo mundo: a violência aumentava, a polícia diminuía, os traficantes comandavam, esses dias mesmo mataram alguém ali, e não sei o quê mais. Anotei a frase e me preparei para tirar a sua foto. O homem então se assustou. Não queria foto. Imagine se os traficantes vissem. O que iria acontecer com ele? Eu insisti que todos estavam falando as mesmas coisas. Ele então ficou pensando um pouco. Por fim, deu um suspiro e decidiu, rindo:

- Tudo bem. Pode tirar a foto. Um a mais, um a menos, tanto faz, né?

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 03/11/2011
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