JAZIGO PERPÉTUO (Boa para professores de Português)

Alunos de Letras, ao longo do curso, indubitavelmente, são apresentados a Ferdinand de Saussure, um linguista e filósofo, cujas elaborações teóricas propiciaram o desenvolvimento da Linguística como ciência autônoma. Nascido em Genebra, em 26 de novembro de 1857, faleceu em Morges em 22 de fevereiro de 1913, e nos legou um bocado de conhecimentos importantes para compreensão de diversos fenômenos linguísticos.

A partir de suas ideias, surgiram diversas dictomias, dentre elas as existentes entre palavras como: língua (sistema de signos depositados como produtos sociais na mente de cada usuário de uma determinada comunidade) e fala (uso individual da língua); sincronia (estudo descritivo dos signos) e diacronia (estudo da mudança histórica dos signos); sintagma (combinação de formas mínimas em uma unidade linguística superior ) e paradigma (um "banco de reservas" da língua, fazendo com que suas unidades se oponham, pois uma exclui a outra); significante (uma junção da imagem acústica e gráfica do signo) e significado (a imagem mental evocada a partir do significante).

Embora pareçam informações irrelevantes para quem não cursou Letras, quase todas essas informações são importantes, também, para os professores da Educação Básica, de modo geral. Isso porque, a partir da implementação da BNCC (Base Nacional Comum Curricular), em 2018, todos precisamos ter, não apenas, sólidos conhecimentos, específicos de nossas disciplinas, mas, também, um vasto repertório que nos permita compreender e aplicar as habilidades e competências inerentes a diversas disciplinas, que “conversam entre si”, muitas vezes de formas inter, pluri ou transdisciplinarmente.

Em função disso, o ensino atual de nossa língua prevê que os docentes apresentem aos alunos do ensino superior, que almejam ser futuros professores, a teoria do signo linguístico, para que eles percebam onde se encontram os problemas das pessoas que falam e escrevem errado (problemas no significante) e entendem ou empregam palavras equivocadamente (equívocos no significado).

Como durante o ensino a metalinguagem (o palavreado específico) não ajuda a compreensão dos discentes, precisamos de apresentar exemplos práticos. Eu, particularmente, quando tinha de ensinar sobre o “signo linguístico”, costumava perguntar aos meus alunos: “Vocês sabem o que é “ÓSCULO”? Como quase ninguém sabia, eu fazia mais duas perguntas: “E vocês são capazes de repetir essa palavra? E de escrevê-la?”. Quando eles conseguiam pronunciá-la sem confundi-la com “óculos” e a escreviam adequadamente após eu a ditar, eu lhes explicava que, agora, eles já conheciam o significante de “ósculo”, pois demonstraram que conheciam a parte acústica (o som) e a parte gráfica (escrita) do signo (palavra).

Nesse ponto, visando a ensinar o que é o “significado” da palavra, eu voltava a lhes perguntar: “E o que vem a ser “ÓSCULO”? Como a maioria não sabia (pedia àqueles que a conhecem para guardarem segredo), eu então lhes informava que “ósculo” nada mais é do que “beijo”. Nesse momento eu lhes pedia que me dissessem qual foi a imagem que havia vindo às suas cabeças: “beijo na boca”? “desentupidor de pia”? “selinho”? “beijo no rosto”, “beijo na mão”?... e, então, explicava que o “significado” é a imagem que vem à cabeça do nosso interlocutor (receptor).

Bem, a crônica de hoje precisa de todo esse prenúncio para que você, meu leitor entenda o que relatarei a seguir.

Uma amiga perdeu o seu único irmão há muitos anos e cuidou dos seus sobrinhos com o maior carinho, fazendo com que ambos estudassem e se formassem. Durante muito tempo, ela evitou levá-los ao cemitério para conhecer a sepultura do pai, temendo que eles sofressem.

Em um determinado Dia de Finados, ela entendeu que chegara a hora de levar o sobrinho mais velho ao Cemitério São José para que ele conhecesse, onde estão os restos mortais do pai. Atentamente observou a sua reação e tranquilizou-se quando percebeu que o sobrinho se entristecera, mas a seguir preferira passear, distraidamente, entre os demais túmulos.

Após um tempo, ele voltou-se para a tia e disse: “Nossa, tem uma família aqui em Linhares que já perdeu muita gente, né?” Curiosa, a minha amiga perguntou-lhe a que família ele se referia, e esse, sem titubear, respondeu-lhe: “Família Jazigo Perpétuo!”.

Não preciso dizer que minha amiga morreu de rir tanto quanto eu, quando soube do caso. Mas saiba que se você nem ao menos sorriu após ler o parágrafo acima, é porque não entendeu que os “significados” de palavras dependem do conhecimento histórico e cultural de quem as ouve ou lê.

NORMA ASTRÉA
Enviado por NORMA ASTRÉA em 03/11/2011
Reeditado em 27/07/2023
Código do texto: T3314594
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