O voo de Ícaro

O voo de Ícaro
Jorge Linhaça

Reza a lenda que Dédalo e Ícaro foram incumbidos de construir um labirinto em Creta a fim de aprisionar o temível minotauro.
Anos mais tarde, após Teseu ter matado o monstro, Dédalo e Ícaro foram condenados a ficar aprisionados no mesmo labirinto.
Inconformados com a sentença e sendo grandes artífices, lograram êxito em fazer dois pares de asas usando cera de abelhas e penas de gaivotas, com as quais lançaram-se ao espaço e se distanciaram do labirinto.
Ícaro, com a inconseqüência de sua juventude ignorou os alertas de seu pai Dédalo e se aproximou demasiadamente do Sol, de maneira que suas asas se derreteram e ele precipitou-se para a morte no Mar Egeu, num lugar que ficou conhecido como o estreito de Ícaro.
Já Dédalo, apesar de entristecido voou até as praias da Sicilia onde viveu o resto de sua vida.

Os gregos eram grandes estudiosos da alma humana e este mito foi criado para demonstrar as conseqüências da impetuosidade e da falta de ouvir conselhos dos mais experientes.
Em nossas vidas todos sucumbimos vez por outra à nossa impetuosidade e voamos céleres em direção ao sol.
Confiando em nossa própria habilidade ou força, ignoramos os perigos de nossas decisões até que nossas asas ou a nossa liberdade de voar sejam esfaceladas pelo perigo iminente.
Por mais preparados que estejamos, temos a propensão de dar o passo maior do que as pernas e portanto acabamos por nos atrapalhar em nossa jornada.
Claro que é mais cômodo culparmos o sol por derreter nossas asas do que assumir as nossas responsabilidades sobre a nossa falta de cuidado ou excesso de auto-confiança.
Na vida espiritual não é diferente, em alguns momentos nos julgamos mais fortes e hábeis do que realmente somos e acabamos por sucumbir diante de obstáculos que nos julgávamos mais do que preparados para enfrentar.
Permitimos que nosso orgulho fale mais alto do que os conselhos das sagradas escrituras e quando nos damos conta nos estatelamos no mar do desespero e da destruição.
Felizmente, ao contrário de Ícaro, temos a oportunidade de reverter esse quadro quando nos permitirmos ser humildes e reconhecer as nossas fraquezas e nos dispomos a trilhar o caminho de volta.
Podemos agir como o Filho Pródigo que, depois de desperdiçar sua herança, voltou em busca de abrigo na casa dos pais. Podemos sempre buscar abrigo nos braços de nosso Pai Amoroso, embora precisemos ter a verdadeira noção de que a herança desperdiçada não mais será restituída, é necessário um trabalho árduo para que possamos desfrutar dos mesmos benefícios que um dia jogamos pela janela.

Retomar ou não o nosso caminho e reconstruir nossas dádivas é um trabalho que exige humildade e desejo real.
É como reconstruir uma casa depois de um terremoto, é preciso começar do zero, limpando o terreno e refazendo os alicerces para depois cimentar tijolo a tijolo a nossa morada.

Nem todos estão dispostos a isso mas aqueles que se esforçam com todo o coração, poder, mente e força, por certo não mais vaguearão ao léu.

Uma ótima semana a todos.

Salvador, 02/11/2011