Árvore de rua
Finados. Antes de levar minha velha mãezinha e seu idoso irmão, meu Tio José, ao cemitério para a missa das oito, em memória de nossos ancestrais. Cuido da minha descendência. Vou à padaria da esquina, a duas quadra de minha casa. A pé, porque ir à padaria de manhã nos dias “inúteis” enquanto ferve o café, e a mulher e as crianças (a gente nunca deixa de chamá-los de crianças) espreguiçam, é uma tarefa muito prazerosa.
Passo pela amoreira que está a exatamente noventa e seis passos de meu portão, na Rua Acre que é perpendicular à minha. (Sempre ando pelas ruas contando os passos. Nunca confesso essa minha neurose, mas sei a quantos passos está de meu portão uma infinidade de lugares, a minha igreja, a escola onde presto serviço e até o meu atelier que fica num bairro distante do meu. Volta e meia confiro as medidas. A amoreira nunca saiu de seu posto). Não consigo passar pela linda árvore sem dirigir-lhe um olhar de afeto. Um carinho genuíno, carregado de gratidão pelas lições de vida que já me deu.
Fica ali plantada num centro urbano, na calçada de cimento, sem cuidados e sem a afeição de um dono. Os transeuntes passam indiferentes. Não a percebem. Ela em resposta, cresce sempre mais, no seu silêncio de planta, sem se importar com o anonimato. Está a cada ano mais frondosa e sua copa se encorpa a olhos vistos. Produz o ano todo. Não conhece as estações. Seu fruto doce alimenta os pássaros que vem se abrigar em sua densa ramagem. Às vezes caem de maduros formando no asfalto escuro uma grossa pasta doce e perfumada por sobre a qual adejam abelhas em grande número.
Volto com os pães quentes, o bolo, o leite. Passo pela amoreira. Ela estende um galho num plano inferior por sobre minha cabeça e me oferece um cacho de frutos maduros. Negros, frescos, apetitosos. Colho-os e agradeço a cortesia com o meu mais terno olhar de amor e vou para a casa feliz porque ela correspondeu ao meu carinho.