A CRÔNICA FANTASMA

Existe uma crônica que jamais será publicada. Nela estão minhas mentiras e minhas verdades, meus acertos e meus erros. Nesta crônica, que jamais será lida por pessoa alguma, conto meus podres e viro minha própria mesa. Falo sobre meus amigos, meus inimigos e eu. Sobre aqueles a quem desprezo e aqueles que me desprezam. Por vezes peso em divulgá-la, ou remetê-la à posteridade, instruindo a um advogado a abri-la como um testamento, mas... se for boa, não poderei colher os louros, e se for de gosto duvidoso, como poderei defender-me da crítica?

Suspiro a náusea e praguejo Sartre. Acendo um cigarro e com profundas, longas tragadas contemplo um horizonte imaginário. Como é elegante minha melancolia! Olha só que me dá até um arrepio de tesão por mim mesmo e vontade louca de gritar a plenos pulmões: “Meu amor! Meu umbigo... é lindo!” Como será que ninguém até agora percebeu? ‘Xa pralá!

Voltemos à crônica, à crônica fantasma que, simples, nem barroca, nem (Argh!) parnasiana, alia Kerouak a Guinsberg, tendo Proust como adorno e pitadas de Rubião. Por estes e outros motivos oculta silenciosa e ameaçadora permanece em minha escrivaninha, como um bilhete de suicida ou uma carta de resgate, anônima em meio aos papéis anônimos e contas imemoriais. A única certeza que tenho é que enquanto lá estiver poderei levar uma vida tranquila de cronista inofensivo.