O vazio do tempo
O vazio do tempo
Belvedere Bruno
Saudade sim. Saudade de um tempo colorido, em que se andava pelas ruas e se viam crianças brincando com bola de gude, jogando vôlei, trocando figurinhas. Vizinhança que mais parecia extensão da família. Pedir isso ou aquilo emprestado, receber e retribuir doces caseiros, bolos quentinhos e, com fervor, abrir as portas à visita itinerante de Nossa Senhora.
Para onde foram os meus cenários? O que foi feito das casas, dos muros multicores, dos canteiros?
Desconstruções. Medo. Não sei onde deságuo esse incômodo, essa agonia. Flashes vêm e vão, até que nada reste, sequer em minha imaginação. Perco referências e sinto-me diluir no dia a dia.
Queria, ao anoitecer, voltar a brincar de roda, ver o velho vendedor de amendoim torradinho, e tentar, sem nunca aprender, a rezar o terço. Quanta nostalgia, dirão. Pudessem invadir minha alma. Talvez assim entendessem.
"Acalma teu coração, sai desse desassossego", diz meu eu interior. Tento, mas dói fundo ver tantos tesouros desfigurados. Nada resta. Como não ter saudade se no lugar dos canteiros há grades; no lugar dos vizinhos amorosos, seres monossilábicos; no lugar das crianças, solidão de alegria?
Em devaneio, percorro as ruas. Sinto o ar puro, inspiro e expiro. É delicioso o aroma das flores, a liberdade no transitar. Mentalmente, saboreio amoras e pitangas. Os morangos, ah! lembro bem que nunca cresciam. Esperava, esperava,e nada. Mas ficava feliz só de vê-los nascer. Saudade.