Tudo passa. Você fica

Em outra ocasião escrevi sobre a relação com a tristeza e da resignação que devemos adotar tornando este, mais um daqueles casos sem solução. Não que se deva por em prática a patética frase “ruim com ela, pior sem ela”. Melhor que a tristeza nunca nos visitasse, de preferência, que sequer tivesse conhecimento da nossa existência. Mas ela é danada! Conhece o mundo todo e, vira e mexe, bate em nossa porta como uma prestativa vizinha intrometida: “Oh, de casa! Trouxe uma nostalgia quentinha para você provar.”
Portanto, é melhor estarmos preparados para quando ela vier. Deixá-la entrar e ficar por algum tempo, até que se canse de nós, tanto quanto nós dela, e parta. Assumir a relação conformista com a tristeza, de certo modo, causa paz.
Já com a dor, é diferente.
Se fosse descrevê-la para você diria que a Dor é uma figura alta, forte e corpulenta. Possui uma cabeça enorme, envolta por cabelos secos, desgrenhados, presos em um coque mal feito cheio de grampos. Olhos redondos e saltados, sobrancelhas grossas que se emendam onde começa o enorme nariz esborrachado. Boca sem lábio e bigode espetado. Usa um vestido marrom com manchas beges que lhe cobre os joelhos, mas deixa à mostra as canelas grossas e peludas, iguais aos braços e axilas. Tem pés enormes com unhas encravadas e sujas, idênticas às das mãos. A Dor é horrível!
Chega invariavelmente montada numa notícia ruim; numa descoberta dolorosa; num fim inesperado; numa partida indesejada. Sem sequer enviar um bilhete de aviso, voando feito uma bruxa aterrissa inesperadamente na pista do coração, ou seria do estômago? Logo você descobre que a dor também passa pelo estômago, tanto quando a comida.
Aparece do nada e a qualquer dia. Num sábado em que a agenda dita alegria, logo depois do almoço. Melhor que viesse sempre antes, assim tiraria a fome e não causaria indigestão. Comida e dor não combinam. Logo você descobre que é mais fácil colocar a comida para fora do que a dor.
Já chorou no chão da cozinha? Do banheiro? Da sala? Do quarto? Na calçada?
Bati o recorde dos chãos em que já me joguei a fim de expelir a dor, inutilmente. Que alivio seria expurgá-la junto com as lágrimas, mas não é tão simples assim. A ignóbil hospedeira costuma instalar-se pelo período que lhe convier e geralmente este prazo independe da nossa vontade. Parasita feio e mau, copulando com as entranhas, gerando fetos amargos.
Logo você descobre que, diferentemente da tristeza, a dor não aparece sem motivo; não desaparece de uma hora para outra e nem se extingue de fato. Que ao partir terá deixado seus genes em você para sempre.
Que a dor dita o tempo de sua estada e que ele é mais longo do que você gostaria.
Que uma vez instalada, não sobrará muito de você em si. Ela o(a) possuirá inteiro(a) e o(a) fará refém sem qualquer negociação de resgate que o(a) tire ileso(a) de lá.
Que depois de ter hospedado a dor, você nunca mais será o(a) mesmo(a). Ficará incrédulo(a), desconfiado(a), chocado(a), sequelado(a), capenga e, ironicamente, mais forte.
Que existe uma razão para todas as coisas ruins que acontecem e para que você continue vivendo, mesmo que a sua identidade emocional esteja adulterada.
E, finalmente, você descobre que a sabedoria é fruto do relacionamento da vivência com o tempo. Que, sabiamente, na vida tudo passa; até a dor. E você fica; além e apesar dela.



Léia Batista

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Léia Batista
Enviado por Léia Batista em 01/11/2011
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