GURUFIM
Pra quem não sabe, gurufim é sinônimo de velório.
Só que com uma diferença marcante; enquanto neste o ato é triste e solene, no outro ocorre exatamente o contrário.
No gurufim, o pessoal já vai chegando com farto sortimento de salgados e muita pinga, muito mais desta do que daqueles. Formam-se as tradicionais rodinhas, onde rola de tudo; piadas, futebol e, com o passar das horas, você pode até entrar num discreto sambinha, ritmado por dedos ágeis numa caixinha de fósforos. Isso é gurufim!
Lembro, particularmente, de um que fui para me despedir de um amigo, ido, como sempre, fora de hora.
Chegamos lá de carro, eu, meu irmão Osvaldo, e um Ne...afrodescendente que atendia pelo maravilhoso nome de Peter Ilitcht, que alguém estragou acrescentando - dos Santos.
Peter era musculoso e tinha cara de mau, além de um voz de baixo-profundo, de maneira que, quando descemos do carro e ele disse "é por aqui" , todo pessoal das outras capelas se voltou, assustado, pra nós e, mais assustado ainda ficou, ao ver três homens trajando longas japonas de cor cinza, sendo o da frente um pouco mais escuro e com cara de poucos amigos.
Logo em seguida uma pessoa, também afrodescendente, deixou a capela onde estava e veio até nós, timidamente. Depois dos entretanto chegou ao finalmente e , num sussurro, perguntou:
- Falem a verdade, o Ne ,,cidadão aí é seu guardacostas, não é?
Não adiantou as mais de vinte vezes que negamos e o Peter acabou ganhando um novo cargo.
Pois saibam que o Argemiro (era o seu nome), nos caçou a noite inteira, sem descanso e, com o frio da madrugada (até no Saara faz frio de madrugada), as visitas à mala do meu carro se amiudaram, reduzindo, drásticamente, o estoque de café e cana. O Argemiro, simplesmente, abandonou o seu morto (era seu irmão!) e passou a residir na capela do nosso.
Lá pelas tantas da matina, depois de mais uma visita à minha adega, já passei a ser chamado de Paulinho, o meu irmão de "brother" (que ele pronunciava - bródi) e o Ne... era Negão mesmo e pronto..
Na manhã seguinte, fui obrigado a me refugiar no carro de um amigo para fugir ao assédio e soube, depois, que ele me procurara para fazer o que? Adivinhem! Pra comer uma feijoada em sua casa!!
...................................
Lembro, também (essa me contaram e eu acrescentarei um ponto), de outro gurufim que acontecia em local ermo e uma das capelas ficava no fundo de um corredor estreito e escuro.
Na entrada desse corredor, um homem consternado, cabeça voltada para baixo, encostado à parede, era o retrato da desolação.
Mesmo sem o conhecerem, as pessoas que entravam davam-lhe pêsames, certos de que era um familiar do morto. -"muito obrigado, cuidado com o degrau", dizia ele .
E lá se iam todos pelo corredor, uma das mãos apoiada na parede e um dos pés, sempre levantado, aguardando o anunciado degrau...que não existia!
Imaginem só a cara dos que chegavam à capela; olhos esbugalhado pelo esforço de enxergar na escuridão e a perplexidade de se sentirem vítimas da gozação daquele cara.
Os que já tinham passado pelo vexame faziam um esforço sobre-humano para não explodir num gargalhada universal, capaz até de acordar o morto.
Na saída procuraram o homem; uns pra lhe dar a maior bronca, outros para dizer-lhe que acharam o chiste muito bem bolado.
Mas só o divisaram já bem longe, com os ombros sacudidos por uma gostosa gargalhada!
Isso é gurufim!
FIM
Pra quem não sabe, gurufim é sinônimo de velório.
Só que com uma diferença marcante; enquanto neste o ato é triste e solene, no outro ocorre exatamente o contrário.
No gurufim, o pessoal já vai chegando com farto sortimento de salgados e muita pinga, muito mais desta do que daqueles. Formam-se as tradicionais rodinhas, onde rola de tudo; piadas, futebol e, com o passar das horas, você pode até entrar num discreto sambinha, ritmado por dedos ágeis numa caixinha de fósforos. Isso é gurufim!
Lembro, particularmente, de um que fui para me despedir de um amigo, ido, como sempre, fora de hora.
Chegamos lá de carro, eu, meu irmão Osvaldo, e um Ne...afrodescendente que atendia pelo maravilhoso nome de Peter Ilitcht, que alguém estragou acrescentando - dos Santos.
Peter era musculoso e tinha cara de mau, além de um voz de baixo-profundo, de maneira que, quando descemos do carro e ele disse "é por aqui" , todo pessoal das outras capelas se voltou, assustado, pra nós e, mais assustado ainda ficou, ao ver três homens trajando longas japonas de cor cinza, sendo o da frente um pouco mais escuro e com cara de poucos amigos.
Logo em seguida uma pessoa, também afrodescendente, deixou a capela onde estava e veio até nós, timidamente. Depois dos entretanto chegou ao finalmente e , num sussurro, perguntou:
- Falem a verdade, o Ne ,,cidadão aí é seu guardacostas, não é?
Não adiantou as mais de vinte vezes que negamos e o Peter acabou ganhando um novo cargo.
Pois saibam que o Argemiro (era o seu nome), nos caçou a noite inteira, sem descanso e, com o frio da madrugada (até no Saara faz frio de madrugada), as visitas à mala do meu carro se amiudaram, reduzindo, drásticamente, o estoque de café e cana. O Argemiro, simplesmente, abandonou o seu morto (era seu irmão!) e passou a residir na capela do nosso.
Lá pelas tantas da matina, depois de mais uma visita à minha adega, já passei a ser chamado de Paulinho, o meu irmão de "brother" (que ele pronunciava - bródi) e o Ne... era Negão mesmo e pronto..
Na manhã seguinte, fui obrigado a me refugiar no carro de um amigo para fugir ao assédio e soube, depois, que ele me procurara para fazer o que? Adivinhem! Pra comer uma feijoada em sua casa!!
...................................
Lembro, também (essa me contaram e eu acrescentarei um ponto), de outro gurufim que acontecia em local ermo e uma das capelas ficava no fundo de um corredor estreito e escuro.
Na entrada desse corredor, um homem consternado, cabeça voltada para baixo, encostado à parede, era o retrato da desolação.
Mesmo sem o conhecerem, as pessoas que entravam davam-lhe pêsames, certos de que era um familiar do morto. -"muito obrigado, cuidado com o degrau", dizia ele .
E lá se iam todos pelo corredor, uma das mãos apoiada na parede e um dos pés, sempre levantado, aguardando o anunciado degrau...que não existia!
Imaginem só a cara dos que chegavam à capela; olhos esbugalhado pelo esforço de enxergar na escuridão e a perplexidade de se sentirem vítimas da gozação daquele cara.
Os que já tinham passado pelo vexame faziam um esforço sobre-humano para não explodir num gargalhada universal, capaz até de acordar o morto.
Na saída procuraram o homem; uns pra lhe dar a maior bronca, outros para dizer-lhe que acharam o chiste muito bem bolado.
Mas só o divisaram já bem longe, com os ombros sacudidos por uma gostosa gargalhada!
Isso é gurufim!
FIM