CAÇA ÀS BRUXAS

— A vaca atolou, a chuva molhou o feijão seco no terreiro, o menino caiu da goiabeira e partiu o braço em dois...

Tudo num dia só? Meu Deus ajude! Ela está solta! A bruxa está solta e ninguém segura essa danada quando ela resolve fazer das suas! Ela está solta! E na sua vassoura poderosa faz seus estragos! Nariz adunco, cabelos espetados debaixo do chapéu em forma de cone, vestido preto, unhas sujas e pontiagudas, ela espalha seu terror. Ah, Maga Patalójika e suas artimanhas! Quantas maldades a bruxinha aprontava! Tenebroso mundo das bruxas!

Imensos caldeirões borbulhando no fundo das cavernas escuras. Morcegos, ratos e lagartixas, ingredientes indispensáveis às nauseantes poções malignas para enfeitiçar os inimigos. Coitadinha da vitima! Amargava pro resto da vida os efeitos das medonhas feitiçarias e maldições. Ah, as bruxas e seus golpes baixos! Sim, eram implacáveis e não tinham um pingo de clemência por quem ousasse atrapalhar-lhes os planos... O preço era alto!

A noite escura como pano de fundo. Hediondas bruxas de vozes rascantes. Vassouras em revoadas fazendo manchas na lua. “Olha lá, se não é verdade? Tô vendo o formato direitinho da maligna com seu vestidão esvoaçante e seu cabelo desgrenhado. A quem estará indo atormentar? Ui que medo! São Bento, água benta, Jesus Cristo no altar, protege a minha cama, porque nela vou deitar. Livra-me das bruxas e dos bichos peçonhentos, o meu quarto vem guardar...”. A reza não era bem assim. Mas ficava sendo porque o medo mandava que fosse...

Crianças e seus medos! Bruxas e suas malvadezas estragando os contos de fadas, envenenando maçãs e mocinhas indefesas; adormecendo princesas e transformando príncipes em sapos. Ah, espetavam alfinetes em pobres pombinhos; prendiam lindas moças nas torres... Cruéis figuras do imaginário infantil. E tinham até versões, virando as cantigas da cuca no “dorme menina, que a bruxa vem pegar”. E quem não dormia? Nem que fosse pra fugir ao pesadelo de enfrentar a megera de negro com seu riso desdentado... Terrível ameaça nas noites insones... Dorme menina! Que a noite é só terror...

Dias passados, carruagem de luzes... O tempo que vai... Apaga-se a mentira das bruxas. Adeus noites pavorosas, feitiços e poções, pérfidas maldades, risos de escárnio, fétidos caldeirões de fantasias. Maga Patalójika perdeu o seu posto de malévola. Virou só uma pata plausível de toda lógica. Nada mais há de aterrorizar noites de vento e quartos escuros onde só São Bento é a salvação. A menina cresceu!

A menina cresceu... E passou a entender o verdadeiro mundo das bruxas. Descobriu que elas não usam vassouras, nem roupas pretas, nem cabelos desalinhados, nem risos sem dentes. Ah, também não têm os narizes curvos dos corvos. Bruxas não são miragens que assombram a lua em noites perdidas nas lonjuras. Nem tampouco são figuras solitárias assustando criancinhas teimosas e desobedientes...

As bruxas são outras! E aquelas, perto das dos tempos de hoje, são fichinhas. As de agora são muito mais terríveis! Ganharam “know how” e se multiplicam nas praças e esquinas, se aproveitando dos fracos, dos menos informados, dos que têm boa fé. Das cavernas passaram aos palácios. Ocupam salas refrigeradas nos edifícios envidraçados. Abandonaram as vassouras pelos aviões. É fácil reconhecê-las. Não aparecem mais à noite. Geralmente dão o ar da graça de quatro em quatro anos. É quando chegam com suas caras mascaradas e seus gestos ensaiados. Usam roupas de bom corte e alta costura, unhas e cabelos bem tratados e, normalmente, impressionam com seus discursos falsos, mas bonitos e bem articulados.

Pois é... As bruxas mudaram. Mas, em sua grande maioria, continuam as mesmas: mantêm o poder da maldade. Tranquilamente, ainda mexem seus caldeirões e fazem seus feitiços. E é com suas poções de baixa categoria que neutralizam e manipulam covardemente suas vitimas: o povo. Adeus bruxinhas do passado! Vocês eram uns docinhos, viu? As atuais, estas sim, disfarçadas em homens e mulheres com caras de bonzinhos, são merecedoras de todo o nosso repúdio! Ai que medo! Mas não desanimemos! Sempre é tempo de caça às bruxas!