Comer, comer, comer

“Comer bem é uma experiência que ultrapassa o gosto simplesmente. Dá uma sensação de plenitude emocional”. Walcyr Carrasco

Vi a receita na Ana Maria Braga: mergulhava-se em um recipiente grande com água morna. Ensinava-se o jeito de comer, despetalando a pobre e a apresentadora enumerava ainda, os benefícios da tal flor. Alcachofra – pensei que nunca fosse comer-te! Comprara o chazinho outrora, mas que amargor! impossível dispensar o prazer do chá das tardes, manhãs ou noites.

Qual a grande surpresa, quando os esperados dias de férias foram encontrar novas faces, o friozão do sul – isto porque era primavera – belas paisagens e surpreendentes sabores. Ei-la ali, na mega oferta de 2,99. O pai pergunta – querem experimentar? - o filho e a nora dizem SIIIIMMMM. Desconfiados à mesa, acompanharam o preparo. As pétalas soltavam-se ternamente, mergulhadas em azeite, limão e sal. Por fim, chegavam ao quase beijo triunfal, aos dentes restando apenas uma levíssima raspagem. E aí então o ápice prazeroso, em que pequeníssimas porções passeavam por língua, céus bocais, glote, laringe, faringe, até perderem-se no âmago de um sistema muito mais que digestivo.

Há lugares aos quais vamos para deliciosamente contemplar e comer. Presente de aniversário vindo numa caixinha com a estampa de bichinhos verdes, bombonzinhos a saborear e o folheto aclarador com os roteiros de passeios: vinícolas, fábricas de chocolate, parques, cidades, Maria-Fumaça e flores... Flores de uma vivacidade nunca antes vista e eis a confirmação – as danadinhas gostam mesmo é do frio.

Lençol que esquenta, incandescência de uma louca vela em devoção aos anjos e santos, antiquários apertados, vento gélido das velhas almas ou das massas de ar congelantes; chuva... quanto tempo saudosa amiga! Voz estridente de uma “My fair lady”, desespero quando as falas viravam canções. Portas fechadas a um lado, corações abertos a outro.

Caminhadas, passadas lentas e deslumbradas. Um castelinho, por que Caracol? Paredes e objetos que contavam estórias de amor ou de terror? A famosa torta de maçã: vista no tabuleiro, a aparência não agradou e as senhoras diziam da cozinha – uma porção é bem servida. O que para acompanhar? Chá de maçã, chocolate quente, a vista bucólica das grandes janelas, um jardim impecável com o riozinho ao fundo, o murmúrio do assoalho de madeira a conversar com os visitantes da casa, cucos na parede pendindo para não serem tocados pois são alemães, oh! e música com alemães cantando por certo.

Contudo, a tal sensação de plenitude emocional aconteceu bem ali, com as porções de apfelstrudel que preenchiam não só os meus céus bucais, mas matavam a minha fome do belo, das sensações inexplicáveis frente a existências concretas ou não, que simples e complicadamente, transcedem.

Lígia Martins
Enviado por Lígia Martins em 31/10/2011
Código do texto: T3308805
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