TENHO QUE TER TEMPO
Por enquanto tenho tempo. Tenho tempo. Discuto com a esposa atual falando que tenho tempo de vida e ela responde que também tem tempo de casa. Tenho tempo.
Tento sair à rua e o povo só fala de futebol, novelas e cachaças... Tenho tempo.
Faz mais de dez anos que não entro numa fila de banco porque tenho tempo...
Tenho tempo.
Acho a maior loucura do mundo o ser humano não ter tempo... O quê seria um tempo? Uma piscada de vaga-lume, olhada do alto de nossa tão relâmpaga vida. Mas até os relâmpagos são machistas em nossa língua porque o próprio Google não aceita o feminino. Mas é isso. Vivemos milésimos de segundos do universo e nos achamos sem tempo. Mas eu procuro ter tempo. Acho que tenho tempo. Os seres humanos, principalmente nas grandes metrópoles; acordam de madrugada e vagam de ônibus, metrôs, de carros, até de aviões e trabalham; produzem para consumir. Correm tanto que se esquecem do tempo. Pensam que relógio é só aquele de bater o ponto. E pronto. Ponto batido e salário resolvido.
Nessa correria ninguém se lembra dos milésimos de segundos de nossa vida fazendo parecer para um transeunte do universo que nossa vida não passa de um relâmpago. Com ou sem apagão, vivemos pelo consumo, denegrindo a própria vida, correndo em cima de uma areia movediça chamada de capital.
E também vale lembrar que essa escravidão capitalista escraviza ainda mais os donos do poder porque a ganância também os fazem esquecerem do tempo. Temos que ter tempo. E nosso tempo é tão curto! Por isso procuro ter tempo.
JOSÉ EDUARDO ANTUNES