Seu Manoel e a videira

Seu Manoel tinha vindo do Norte de Minas fazia já alguns meses. Morava de aluguel com sua velha e duas filhas solteironas. Nenhum deles havia arranjado emprego, vindos das lavouras de café para um pólo industrial não tinham qualificação para o tipo de trabalho que a cidade oferecia. Ficávamos, os vizinhos, a socorrer-lhes as necessidades com nossos parcos recursos. O velho, muito digno aceitava contrafeito o adjutório.

Tinha, Seu Manoel, uma cultura de subserviência, sua humildade e mansidão eram desconcertantes. _ Sim, sinhô, seu Carlim! _Não Sinhô, seu Carlim! Tentava ser prestativo, mas sua falta de habilidade acabava sempre tornando suas boas intenções em verdadeiros desastres.

Eu tinha em meu pequeno quintal um pé de uvas em formação, de poucos meses, mas que já reclamava uma parreira onde pudesse lançar sua linda ramagem, minha mulher vivia me cobrando uma atitude com relação a isso. Outro problema que urgia era uma limpeza no pequeno retalho de terra que ousávamos chamar de quintal e onde o mato teimava em crescer. Pois um dia o Seu Manoel passando por minha casa ofereceu-se para carpir o dito quintalzinho. Minha mulher adorou a idéia. Passei as instruções ao gentil camarada:

_ Já que o senhor está disposto, limpe o quintal e faça uma parreira para o pé de uvas.

_ Sim sinhô, Seu Carlim!

Deixamos com ele as ferramentas e materiais necessários e fomos para o trabalho. Quando chegamos à tarde Seu Manoel havia terminado a tarefa. O quintal parecia maior. Irrepreensivelmente limpo. a parreira tinha ficado ótima, do jeito que eu tinha imaginado. Daria para fazer um banquinho de tábua ali debaixo para a gente se abrigar nas tardes de calor mas...

_ Cadê o pé de uvas, Seu Manoel?

_ Qualé pé de uva, Seu Carlim?

_ Aquele lindão que estava ali, para o qual o senhor fez esta excelente parreira. Lembra-se?

_ Uai, Seu Carlim. Eu inté lembro, sô. Mas o senhor deu orde pra eu capinar tudo.

_ Mas, Seu Manoel. Se fosse para cortar a pequena videira, pra que fazer uma parreira?

_ Foi o que eu pessei tamém, Seu Carlim! Mas orde é orde, né?

Bem! Ordem é ordem! Fazer o quê? Depois que minha mulher deramou uma lágrima furtiva pelo finado pezinho de uvas, ela e eu demos boas risadas olhando a bela parreira inútil.

Carlinhos Colé
Enviado por Carlinhos Colé em 30/10/2011
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