O homem e o nome

     Encontrei um velho companheiro fazendo cooper. Um setentão como eu. Ambos de cabeças encanecidas. Somos, os dois, de 1934; do século passado, portanto. O que teríamos pra conversar, de repente cheiraria a mofo. Aquela de ... "no nosso tempo...", e tome-lhe relembranças, uma atrás da outra.

     Fiz o possível para que ele não me visse. Procurei evitá-lo, aprumando meus óculos escuros.  Passaria, assim, despercebido. Seria um Zé qualquer, aproveitando a orla ensolarada de Salvador e  na beira-mar, tentando controlar o meu HDL, no último exame, nada satisfatório.

     Por que tudo isso? É que esse meu companheiro é um cara extremamente chato. Corro para não receber dele um simples "Alô!". Ele fala pelos cotovelos. E o que pior: fala tocando com os dedos nos ombros da gente, costume que abomino.
     Mas não houve jeito: ele agarrou-me pelo braço e passou a me contar mil e uma estórias. Se o leitor me perguntar qual a que mais gostei, juro que não sei dizer.

     Notando, lá pras tantas, que eu estava pra lá de Bagdá, me provocou. Sabedor da minha intimidade com esse pessoal, pediu-me - pasmem! - o nome completo de vários escritores.
     Era só o que faltava!
     Não tenho acanhamento em confessar que, somente de poucos soube dizer-lhe o nome inteiro, sob o argumento de que me bastava o nome de guerra de cada um. Ele insistiu na pergunta. E eu fiz de conta que não estava nem aí.

     Pra me ver livre do incômodo companheiro, procurei encerrar o papo, contando-lhe o que lera Na Casa dos 40 , um livro do saudoso Josué Montello. 
     Nesse livro, o extraordinário romancista maranhense reuniu, como ele mesmo frisa, "as pequenas histórias joviais" colhidas na Academia Brasileira de Letras da qual ele fizera parte e fora seu presidente.

     Tenho uma edição de Na Casa dos 40, bem velhinha, caindo aos pedaços, comprada num sebo da Barata Ribeiro quando, em 2001, estive no Rio de Janeiro batendo pernas. É um livro muito interessante, muito divertido. Pena que as nossas Editoras o tenham esquecido.
 
     E o amigo: "Conte, conte logo, porque o sol está indo embora."
     Disse-lhe, tocando-lhe no braço: agora você vai me ouvir. E passei a narrar o que lera em Montello sobre um dos maiores cronistas brasileiros de todos os tempos: Humberto de Campos,  um dos meus ídolos.

     "Ao ser lavrado no Palácio do Catete o decreto que nomeava Humberto de Campos, Diretor da Casa de Rui Barbosa, Gregório da Fonseca, seu colega de Academia e Secretário do Presidente da República, telefonou para o cronista maranhense perguntando-lhe o seu nome por extenso.
     - Humberto de Campos - respondeu ele.
     E Gregório surpreendido:
     - Só? Assim tão curto?
     - Só - confirmou Humberto,
     E num resumo de seu destino de lutas:
     - E assim tão curto você não imagina o trabalhão que tive para fazê-lo."

     O companheiro deu aquela gaitada. E prometeu contar essa história ao primeiro que encontrasse pela frente.
     Pensa que ele se despediu? 
     Não se foi enquanto não arrancou de mim o nome completo do poeta Olavo Bilac.
     Repeti-lhe, enfaticamente: Olavo Bras Martins dos Guimarães Bilac.
     Para encompridar o papo, arriscou: "Por que só Olavo Bilac?"
     Explico-lhe depois, respondi. 
     E caí fora. Senão, ainda hoje estaria na orla alimentando aquele insípido e enfadonho papo com o Joaquim Felício de Arruda Camerino, o meu amigo chato,
     
     

     
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 28/10/2011
Reeditado em 24/05/2013
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