Comecei o ano com o propósito de reler alguns dos meus poetas ou livros favoritos (claro, que não cumpri) que ainda tenho em minha estante. Iniciei, então, pelas obras completas de Mario Quintana. Mario sem acento  como ele queria. Dizem.

               Os livros estão em ordem cronológica, de publicação. Comecei a ler de trás para frente. Interrogando-me: será que os li, todos? Sim. Desde o primeiro, Sapato florido, de 1940 até o último Sapato furado, de 1994. Uns vinte livros em 54 anos, de atividade.

               O que mais gosto de Quintana são os pequenos poemas em prosa e as surpreendentes frases. Distribuídas, principalmente, entre os livros: Sapato florido, Caderno H, Da preguiça como método de trabalho, Porta giratória...e muitas de suas canções. Sempre gostei desses escritores que escrevem livros fragmentados, como: O caderno de João, de Anibal Machado; A idade do serrote, de Murilo Mendes: e, Aquele ultimo chá, de Lygia Fagundes Telles e principalmente, Clarice Lispector, em A descoberta do mundo.

               Quintana me parece um poeta singular na literatura brasileira – ele pensa o cotidiano. E nos faz pensar, concordando ou discordando do que ele diz. “O ideal da medicina é fazer os doentes morrerem com saúde”. “Um ser humano só é ele mesmo enquanto os pais estão discutindo um nome para o batizar. Até então, é anônimo como um animalzinho sem dono”. “O homem é o bicho que espia o homem”. Eu mesmo já tive a pretensão de escrever algumas frases e fragmentos, em meu Baú de letras, xerocado, que distribuo entre os amigos.
             
              Quintana usa muito a ironia e o humor. Ele mesmo estabelece a diferença entre um e outro. O ironista, diz ele, “diverte-se à custa alheia”, o humorista diverte-se “à sua própria custa”. Impossível citar.Tal a quantidade e qualidade dos textos. E é perigoso tirá-los  do contexto. O melhor mesmo é ler. Outra característica sua, são os diminutivos. Usa-os sem pieguisse. Ouve, só:   “ A Bem-amada na praia:

                                                        Sua bundinha
                                                        Deixou na areia
                                                        A forma exata
                                                        De um coração..”.
 
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  Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam voo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhoso espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti... 

                        LordHermilíoWherter




      
Alberto Soeiro
Enviado por Alberto Soeiro em 28/10/2011
Reeditado em 09/01/2012
Código do texto: T3303061