ESSE SANGUE INFELIZ
“Já me escondi demais, mas não estou pronta para aparecer. Esconder e aparecer não sei o que fazer. Se me escondo me sinto triste se apareço não fico feliz. O que eu faço?”
Ela está caminhando pela rua enquanto faz essas perguntas a si mesma. Recebera uma ligação de sua irmã cobrando uma notícia, uma visita, alguma coisa sinalizando que está tudo bem.
“Posso sinalizar que está tudo bem, basta dizer que está. Mas só eu sei que não. Por que fazê-los se preocuparem? Me deixe me preocupar com isso. E isso é meu.”
Caminha agora mais rápido quer pegar um sinal que está aberto. Precisa correr, pois o tempo está contra ela. Está atrasada para começar a trabalhar.
Chega tão exausta e o dia ainda nem começou, mas ela se sente como se tivesse brigado com mil pessoas para chegar ali.
Olha da porta do prédio aquela fila para pegar o elevador. “Vou de escada” pensa, mas logo desisti, não aguentaria subir seis andares. Morreria por falta de ar no segundo andar. Morrer até que não seria uma má ideia, a ideia de morrer no segundo andar por cansaço é que não é agradável, chega a ser degradante, humilhante.
Em sua mesa, fica olhando os papeis que vão se acumulando do seu lado esquerdo que logo ela passa para o lado direito. Gosta de mudar a posição dos documentos que tem para analisar como se assim eles se resolveriam e sairiam de sua mesa. Mas eles não saem, ela não os movimenta, não os analisa conforme tem que fazer. É o seu trabalho: analisar, deferir ou indeferir e mandar adiante.
Ela fica só olhando para eles. Algumas vezes fica olhando para a tela do computador, essa máquina maravilhosa que nos traz o mundo em poucos segundos até nós. “Por que você não me traz algo de bom para fazer desse dia um pouco melhor?”pensa suspirando olhando para o computador.
Através do computador podemos ir a qualquer lugar, ter qualquer coisa, fazer e ver coisas bizarras, mas só ver. O computador te traz o mundo, mas ele não é real porque esse mundo não é palpável, só os seus olhos podem ser utilizados, os outros sentidos não. “Se não posso tocar não existe para mim-” decide ela após visitar várias páginas em seu computador.
Fica parada alguns segundos batendo com a caneta na mesa. Pensa um pouco mais, observa seus colegas de trabalhos. Todos tão envolvidos em seus documentos que nem a notam. Bom. “Posso sair agora e nem serei notada”, mas não faz isso. Tem um trabalho inóspito a fazer e fará mesmo que lhe custe um pouco de sangue.
Sua alma triste sangra, um sangue de infelicidade. É isso que circula em sua veia, o que faz o seu coração bater, esse sangue infeliz.