UM BARCO FURADO

Pagamos sessenta e oito pesos para ter acesso ao zoológico, o bilhete dizia que teríamos direito a um passeio de barco no lago em volta e isso nos animou, é sempre uma novidade e um bônus a mais um momento assim. O dia estava bastante ensolarado, quente mesmo embora sendo primavera na Argentina, ainda assim havia muita gente visitando os animais, crianças principalmente, muitas deles, estudantes de diversos colégios, além de casais e turistas aproveitando a manhã para esse passeio divertido e cultural.

Enquanto passávamos diante dos bichos oriundos de diversos países, a exemplo dos rinocerontes, zebras, mandris, bizões, hipopótomos, leões, leopardos, animais que jamais vira antes tão de perto e ao vivo, sobretudo girafas e ursos, deleitando-me com estar ali bem diante deles e ao mesmo tempo na mais completa segurança, meu sentido era na iminente volta de barco que daria. Eu não via a hora de usufruir desse passeio para fechar com chave de ouro a visita ao zoológico.

Como ainda não estava na hora do barco sair, continuamos a visitar cada bicho no simulacro do seu próprio habitat, vendo a reação deles à nossa presença e percebendo que os machos ficavam em estado de alerta quando nos aproximávamos, demonstrando fúria e cuidados, andando de um lado para o outro, cheirando o ar ameaçador, saltando desesperado como vi o leopardo fazer. Por seu turno, o leão, rei dos animais, dormindo estava ao chegarmos e dormindo ficou indiferente ao barulho da criançada, ao vozerio das pessoas e ao trinado dos muitos pássaros gritando e voando. Os mandris, feras selvagens aversas ao convívio com outras espécies, demonstravam ódio ao ver os humanos nas proximidades, tendo um deles, furioso, subido à grade, virou o traseiro e soltou um sonoro pum quase na cara das pessoas, que correram alvoroçadas, e ele limitou-se a correr e gritar mostrando os imensos e perigosos dentes.

O elefante demorou alguns momentos para sair da toca onde se escondia, um casarão de grandes proporções, porém ao sair dirigiu-se a um amontoado de galhos cheios de folhas e passou a comer na maior tranquilidade à medida que uma multidão fotografava, sorria, falava e apontava ao mesmo tempo. O espaçoso local por onde se deslocava, circundado por um fosso para evitar sua fuga, exalava mau cheiro, como aliás também o dos condores, dos gaviões, das serpentes e dos demais carnívoros presentes. Impossível ficar nos arredores por mais que um minuto.

Ah, pela primeira vez em minha vida pus os olhos admirados nos suricatis e presenciei sua maneira nada usual de ser, bichinhos assustados que são. Corriam de um ponto a outro, olhavam-se, olhavam-nos, súbito levantavam-se e, de pé, tesos, lançavam os olhos para muito além, estanques, silenciosos como se escutassem ou percebessem algo somente sentido por eles. Depois, em pouco, tornavam a agir como segundos antes e repetiam a cena sem parar. Os lêmures, com seus olhos grandões, sempre em grupo e juntos como a temer inimigos inexistentes por ali, se mexiam e se comunicavam por gestos, abraçavam-se e estreitavam mais e mais seu ajuntamento.

Os leões brancos, e eram vários, preguiçosos, simplesmente estiravam-se sobre a areia e dormitavam uns sobre os outros sem dar a menor importância aos visitantes barulhentos ali por perto. Como havia uns vidros grossos separando-os de nós, arriscávamos a tirar fotos bem pertinho deles sem qualquer reação dos bichos.

O hipopótomo, animal cujo corpo blindado simulava o bronze, imenso e gordo, calmamente comia sem parar abrindo e fechando a bocarra do tamanho de uma porta quase, e assim o esquisitão não deixou de estar o tempo todo em que demorou nossa visita. Seu ambiente tinha grande proporção muita água para submergir deixando a cabeçorra de fora. Sozinho por alguma razão desconhecida, certamente se tratava de um antisocial sem medida, perigoso ao extremo, habituado à solidão.

Ao nos aproximarmos de uma construção denominada de selva tropical, perguntamos ao pessoal da portaria a que horas o barco iniciaria o passeio. Informaram-nos que dali a pouco. Decidimos, então, ser os primeiros da fila no pier para conseguir bons lugares, e vimos a embarcação já a postos nas águas mansas e paradas do lago. Eu e minha amada rimos de quantos ainda não tinham chegado e aguardamos, sonhando como seria circundar o zoológico todo de barco e pensando em voltar ao ambiente dos animais para ver o puma, outra fera que ainda não tínhamos visto ao vivo. Pouco a pouco os demais passageiros foram chegando, nós dois na frente de todos, formou-se a fila de espera. Lá pelas tantas abriram a entrada para a embarcação e tivemos o orgulho de sermos os primeiros a entrar no barco, rindo serelepes e zombeteiros, a seguir os outros por sua vez. Então o barco saiu, preparamos a máquina fotográfica, em deleite e devaneios, até termos a mais hilária, interessante e surpreendente surpresa de nossas vidas. O barco deu apenas meia volta, vagou uns três metros e voltou para o píer, o passeio tinha acabado antes de começar, tendo durado somente um minuto e meio, mas era o quanto realmente ele durava. Vi a desolação no rostos de todos, o meu espantado, e tivemos que descer porque na verdade o passeio era só aquilo mesmo. Nem sei quais pensamentos me arrebataram, achei melhor voltar às jaulas para rever as feras, as aves, as cobras, os jacarés, os bizões, a zebra, as girafas e o puma para não ter um infarto por causa daquela injúria. Passamos pelo leão e ele ainda dormia, o tigre se escondia na toca, o guará ninguém viu e o puma, bem, o puma ficou para outra visita pois o sol queimava, a sede trucidava e a fome matava.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 28/10/2011
Reeditado em 28/10/2011
Código do texto: T3302343
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