Um Pobre Poeta!
O silêncio não é quebrado pelo barulho do jato em seu cruzeiro lá nas nuvens... nem pelo "fomm... fomm..." do caminhão que passa lá na estrada distante. Nada... nada interrompe aquele momento de reflexão... inspiração talvez. A caderneta e a o lápis continuam intactos ao lado da caneca de café sobre o banquinho de madeira à sua frente. O zunir do vento por entre o telhado do velho casarão da fazenda lhe é terapia aos ouvidos e relaxamento para corpo e a mente. Mas no peito do poeta algo o incomoda. O que será...? Sonolento e irrequieto, a fio os minutos lhe são uma eternidade. O que lhe corrói...? O que lhe intimida...? que lhe persegue...? O cenário é perfeito e tudo... tá tudo ali a seu lado. O talento lhe é medroso e chorão e de portas abertas não quer arrancar. Suas asas são grandes e fortes mas não tem coragem de decolar. E o poeta apenas ensaia um pigarro. Pensa tudo e sente tudo, mas a pena teima em não lhe atender... não lhe obedece. Pobre poeta! Vê o talento de olhos arregalados em seu peito esbugalhado e não consegue arrancá-lo. Trêmulo e assustado, o talento lhe vira as costas; é um talento covarde.Talvez quando o poeta não mais existir, ele dê um salto para a vida. E o poeta dorme! Dorme debruçado sobre uma cadeira de junco encostada à parede e com a nuca também encostada. O vento lhe banha as faces! A mosca indecente inssiste em lhe fazer cócegas sobre os lábios. O pulapula que passa, pula conduzindo os operários para a labuta. Um arrastar de cadeira e a vassoura ligeira... e a moça de avental e muito faceira vai do alpendre até a cozinha. O café que cheira azucrina as narinas do fumente sem cigaro... e um escarro de goela seca. Um barulho seco e pesado ecoa ao chão... foi um copo vazio descartável deixado sobre o bebedouro e enxotado pelo vento. Ao longe os bentivis zombam de alguém... "bem te disse...! bem te disse...!" Mas um resfolegar também se ouve lá das brenhas do capinal. E os olhos fechados do poeta teimam em não ver tudo aquilo que os ouvidos assistem.
Voos rasantes e acrobáticos não param por sobre o moinho de vento... são as pipiras, os anuns e os pardais. Os pardais pipilam enquanto trinam a cópula; e o chico preto ecoa seu grito de alerta. Todos veem... todos...! Menos o poeta. " No chão não... no chão ele é invencível", uma voz murmura. "Se forem pro chão... adeus", outra completa. "Só é poderoso no chão; no ar até o bentivi o derrota", a mesma encerra. Um bater asas tembém se ouve... as andorinhas estão frenéticas. O bicho bica o chão, levanta e bica, mas não quer o que detém o bico... só quer o que está no alto; e o que está no alto lhe espera para tentar combatê-lo. As rolas atrepadas gargarejam e rosnam... são as mais cobiçadas. Elas não vem... e o bicho não vai. Então, se contenta com o que o chão lhe oferece... crava as unhas no que tem, bate asas e zarpa voado. O trinar, o gorjear e o revoar dos assustados se revertem de alegria... eles fazem a festa. O poeta se espreguiça, abre os olhos e ainda vê o gavião com o calango no bico.