A crônica do bom malandro
Ao longo destes quase seis meses sem escrever rigorosamente nada, pensei muito na vida, nas formas que ela assume de acordo com os percalços; perdi amigos, ganhei livros, os “nãos” se avolumaram na minha estante bem juntinho ás fotos que guardo de minha mãe. Barulhos repentinos me tiram do sério e afastam o silêncio para longe – é o gato da vizinha que chia sempre que a hora do jantar se aproxima, é a morte batendo na porta de Dona Maria Marta.
Um passo em falso, dois assertivos, um olhar de dentro para fora, duas frases soltas - ao relento lança seus cabelos, sentada num banco fuma sua cigarrilha, e, ao mesmo tempo lança gigantescas baforadas de fumo que acabam por se entrelaçar nas sombras de sua casa. Eu poderia dizer que ela vive seus últimos dias se lamentando de uma vida que podia ter tido, e não teve. Mas neste preciso momento, jamais ela imagina que o fim está próximo, tão próximo... que nem sei se lhe hei-de deitar a mão, ou simplesmente deixá-la ir. Vocês podem achar que estou sendo egoísta, {mas não} ela está doente: não diz coisa com coisa, não consegue somar dois mais dois; seu rosto enrugado pela vida clama por piedade - ela já não respira... a bronquite foi comendo-a aos poucos, culpa desse gato preto que forra as paredes de seu quarto. Não percebo porque ela não mata aquele desgraçado, anda sempre com mimos para cima dele: ai meu querido, meu lindo, meu chuchu, meu... raio que o parta, isso sim - se fosse eu já lhe tinha dado um pontapé naquele rabo gordo há muito tempo. Contudo, o gato é dela e a vida também. Talvez ela esteja certa, a morte nos espera a todos, só acho que cada um de nós sempre se precipita no momento de dizer “Adeus”.
Voltando aos “nãos” e á forma como eles ressoam em meus ouvidos, tenho reparado que sempre que ouço um “não” de uma mulher fico pior que estragado, não sei se já levaram com um “não” vestido de “sim”, a diferença é que este vem de tanguinha, pois não quer ferir em demasia a pessoa. Ou por outras palavras, é quando a mulher gosta do cara, mas o manda pastar mais uns tempos até este estar consciente de seus verdadeiros atos. Nesse quesito, não as condeno - melhor - lhe dou todo o meu apoio.
Medir os meus atos é coisa que ainda não consigo fazer, ou se consigo, o faço em conta-gotas... Sempre ajo antes de pensar, trabalho em cima de impulsos nervosos que me pululam para os píncaros da ribalta...; esperem, não sei onde fui buscar esta frase, cortem ela... cortem também o medo que por vezes me assola em momentos decisivos da minha vida.
- Os livros? Ah sim... os livros, esses nunca me dizem que não, aliás, durante este período sabático devorei alguns que ganhei de presente de meus inimigos. Engraçado como eles tem bom gosto! Senão reparem: do X ganhei “Uma crônica de uma morte anunciada” de Gabriel Garcia Marques; do Y “Os chefes e os filhotes” de Mário Vargas Llosa; do Z “Terra Sonâmbula” de Mia Coto; e do Alfa eu recebi a “Queda” de Albert Camus. Ora digam lá se eles não capricharam...
De todos eles, houve um que me marcou de forma principesca, “Uma crônica de uma morte anunciada”.